20 de abril de 2024

O Calafrio


Henry James
O Calafrio (1898)

O Calafrio é o título português de The Turn of the Screw, também conhecido noutras traduções por A Volta do Parafuso. A novela foi publicada originalmente em 1898, acompanhada de Covering End, num livro intitulado The Two Magics. Qualificada como “novela gótica” tem, de facto, uma temática sobrenatural, desenvolvida de um modo não muito convencional, que narra a história de uma jovem preceptora, contratada por um cavalheiro londrino para acompanhar dois sobrinhos, Miles e Flora, durante as férias do Verão, em Bly, uma propriedade na província, com a indicação expressa de decidir todos os assuntos como bem entender e não recorrer, em caso algum, à sua pessoa. Chegada ao local, a preceptora vai-se apercebendo que os irmãos, de beleza angelical e comportamento exemplar, encontram-se sob o sortilégio de dois fantasmas: um antigo empregado da mansão e a preceptora que a antecedeu. Enfrentando uma cumplicidade de silêncios e horrores nunca verbalizados, a preceptora assume o desafio de romper a ligação maligna ali existente, ao mesmo tempo que a pressão da responsabilidade quase a conduz à quebra e à desistência.

Recordo-me de essa figura ter produzido em mim, ao revelar-se assim naquele crepúsculo luminoso, dois choques distintos de emoção: uma primeira e uma segunda surpresa. Esta última foi a constatação do erro que fora a primeira: o homem que eu tinha diante dos olhos não era aquele que eu, na minha precipitação, primeiramente imaginara. Isto causou-me uma tal confusão como nenhuma outra coisa me causou até hoje. Ver um desconhecido, num lugar isolado, causa medo a qualquer jovem educada e recatada; e a figura que eu via diante dos olhos, verifiquei-o em poucos segundos, não era de modo algum a imagem que tinha na minha mente. Não a vira em Harley Street, nunca a vira em parte alguma. Além disso, aquele local, só pelo facto desta presença, tornou-se, subitamente, sem que eu soubesse porquê, um local desolado. Pelo menos para mim, ainda hoje, no momento em que escrevo estas linhas, revivo essa sensação. Era como se o resto do cenário tivesse sido ferido de morte. Parece-me ainda que escuto o súbito silêncio que envolveu todos os ruídos da tarde. As gralhas pararam de crocitar no céu doirado, e aquela hora deliciosa perdeu instantaneamente toda a sua voz. Contudo, a natureza não sofrera nenhuma outra alteração a não ser aquela de que me apercebi com um espanto ainda maior. O céu continuava doirado, o ar transparente e o homem que me fitava do alto das muralhas era tão real como um quadro na sua moldura. Foi por isso que me recordei, com extraordinária rapidez, de todas as pessoas que ele poderia ser... mas não era. Contemplamo-nos à distância durante o tempo suficiente para eu perguntar a mim própria, com toda a intensidade, quem ele seria e de sentir, perante a minha incapacidade de o saber, um espanto cada vez maior.

Li anteriormente:
Daisy Miller (1878)

17 de abril de 2024

The British Barbarians


Grant Allen
The British Barbarians (1895)

Cheguei a este livro devido a numa nota de rodapé de A Máquina do Tempo de H.G. Wells, acerca da transcrição de uma citação de Grant Allen; a nota do tradutor apontava para a curiosidade de The British Barbarians ter sido editado no mesmo ano, tendo por tema uma situação inversa: um viajante do século XXV chegava à Inglaterra do século XIX. Na posse desta informação é fácil deduzir que Bertram Ingledew é o tal viajante (só no último capítulo o seu segredo é desvendado), apresentado como um estranho que chega a Brackenhurst, um arrabalde burguês ao sul de Londres, sem qualquer noção das normas sociais em vigor. Assim, após Philip Christy, um escriturário funcionário público, tê-lo apresentado a contragosto no seu meio familiar e comunitário, Bertram vai fazendo uma crítica modernista das convenções sociais victorianas, ridicularizando-as como “tabus” e “fetiches”, traçando paralelos com outros tabus existentes em sociedades primitivas de África ou das ilhas do Pacífico.
Grant Allen, nascido no Canadá mas educado em Inglaterra, começou por escrever trabalhos científicos mas em breve se voltou para a ficção, tendo publicado cerca de 30 novelas entre 1884 e 1899, ano da sua morte, das quais se destaca The Woman Who Did, também de 1895, cujo enredo sobre o casamento e o papel da mulher o envolveu em escândalo e se tornou num best-seller.
É demasiado fácil perceber onde Grant Allen quer chegar com The British Barbarians, apresentado ilusoriamente como um pioneiro da FC. Talvez não fosse de esperar outra coisa de um escritor ateu e socialista no final do séc. XIX; contudo, outros autores da mesma época, com convicções semelhantes, têm obras bem mais interessantes – H.G. Wells, por exemplo. O excerto pertence à Introdução, que contém as páginas mais significativas e elucidativas do livro.

Most novels nowadays have to run as serials through magazines or newspapers; and the editors of those periodicals are timid to a degree which outsiders would hardly believe, with regard to the fiction they admit into their pages. Endless spells surround them. This story or episode would annoy their Catholic readers; that one would repel their Wesleyan Methodist subscribers; such an incident is unfit for the perusal of the young person; such another would drive away the offended British matron. I do not myself believe there is any real ground for this excessive and, to be quite frank, somewhat ridiculous timidity. Incredible as it may seem to the ordinary editor, I am of opinion that it would be possible to tell the truth, and yet preserve the circulation. […] 

The romance that appeals to the average editor must say or hint at nothing at all that is not universally believed and received by everybody everywhere in this realm of Britain. But literature, as Thomas Hardy says with truth, is mainly the expression of souls in revolt. Hence the antagonism between literature and journalism. 

Why, then, publish one's novels serially at all? Why not appeal at once to the outside public, which has few such prejudices? Why not deliver one's message direct to those who are ready to consider it or at least to hear it? Because, unfortunately, the serial rights of a novel at the present day are three times as valuable, in money worth, as the final book rights. A man who elects to publish direct, instead of running his story through the columns of newspaper, is forfeiting, in other words, three quarters of his income. This loss the prophet who cares for his mission could cheerfully endure, of course, if only the diminished income were enough for him to live upon. But in order to write he must first eat. […] 

That, too, is the reason that impels me to embody such views as these in romantic fiction, not in deliberate treatises. “Why sow your ideas broadcast,” many honest critics say, “in novels where mere boys and girls can read them? Why not formulate them in serious and argumentative books, where wise men alone will come across them?” The answer is, because wise men are wise already; it is the boys and girls of a community who stand most in need of suggestion and instruction. Women, in particular, are the chief readers of fiction, and it is women whom one mainly desires to arouse to interest in profound problems by the aid of this vehicle. Especially should one arouse them to such living interest while they are still young and plastic, before they have crystallised and hardened into the conventional marionettes of polite society. Make them think while they are young; make them feel while they are sensitive: it is then alone that they will think and feel, if ever. I will venture, indeed, to enforce my views on this subject by a little apologue which I have somewhere read, or heard,—or invented. […] 

The business of the preacher is above all things to preach; but in order to preach, he must first reach his audience. The audience in this case consists in large part of women and girls, who are most simply and easily reached by fiction. Therefore, fiction is to-day the best medium for the preacher of righteousness who addresses humanity.

15 de abril de 2024

La Última Etapa de la Globalización


Federico Rivanera Carlés
La Última Etapa de la Globalización (2010)

O historiador argentino Federico Rivanera Carlés tem uma série de livros dedicados à análise do judaísmo (recomenda-se, de passagem, um vídeo no youtube, da TLV1, onde dá a sua opinião sobre o presidente Javier Milei). La Última Etapa de la Globalización: El Gobierno Mundial Judio faz a história da ascensão do poder judeu desde o séc. XVI e, mais abertamente, desde a Revolução Francesa, através de uma aliança entre o poder financeiro e a subversão. Um processo que seguiu várias fases históricas – a democracia capitalista, o bolchevismo, o sionismo – onde a preponderância e protagonismo dos judeus no desenrolar destes processos foi determinante, sem perder de vista o fim último da sua actuação: um destino messiânico de domínio global, que se lê claramente nas inúmeras citações e textos deixados por pensadores e políticos judeus desde o séc. XIX. Apoiados nos preceitos talmúdicos, exclusivistas e racistas – o autor nota que, mais que uma religião, é um programa político –, o judaísmo tem triunfado, ocultando sempre que necessário a sua verdadeira natureza, contando com a indispensável colaboração de uma imensa teia de influências. Dos instrumentos ao seu serviço merece destaque a judaização da Igreja pós-conciliar, ou a formação da União Europeia, entre os mais notáveis.
La Última Etapa de la Globalización é um livro no qual se desmonta a propaganda do globalismo e se expõem os objectivos finais da chamada Nova Ordem Mundial.

En sentido coincidente, a comienzos de la centuria pasada el anarquista judío Rudolf Kayser señaló que para llegar a la era mesiánica había que abolir el Estado, tarea en la cual los judíos cumplirían un papel esencial debido a que carecen del mismo, y porque "la idea de Estado es una noción no judía". El internacionalismo es connatural a los judíos porque son un pueblo nómada. "Goy, en cambio, observa Barylko, nace de una raíz que significa cuerpo, la gente constituida en cuerpo, en sociedad, en estado, en un orden fijo e inmutable". El internacionalismo de los judíos se complementa a la perfección con su objetivo mesiánico: para construir el "gran edificio" mesiánico –observa el afamado rabino Elías Benamozegh– Dios ha creado "un pueblo internacional, Israel". De ahí que los judíos sean los teóricos y propagandistas del mundialismo por antonomasia. Al respecto el prestigioso escritor judío Bergman observa que, "cuando se rompieron las barreras sociales y políticas en el siglo XIX, los pensadores judíos estuvieron entre los representantes más radicales del internacionalismo y de la idea de humanismo. Parece que después de dos mil años el universalismo y el humanismo de los profetas florecieron en las figuras de millares de filósofos judíos, socialistas e internacionalistas". Y estima también que "el estado soberano, la bandera, la raza" no son más que ídolos. 

El plan judío está en marcha acelerada a través de la Masonería –fundada y dirigida por los judíos–, y los propulsores del internacionalismo, a saber, el capitalismo demoliberal, el marxismo y el anarquismo, en sus diversas variantes. También existen poderosas organizaciones mundialistas donde los judíos y masones tienen relevante papel, como el Royal Institute of International Affairs (RIIA), fundado en Londres, en 1919; el Council of Foreign Relations (CFR), denominación adoptada por el anterior en los Estados Unidos, donde fue organizado el año 1921, en la ciudad de Nueva York; el Club Bilderberger, que nuclea a la alta finaliza, a grandes empresarios, políticos e intelectuales liberales y marxistas, se creó en 1954 en Holanda a instancias del CFR; la Trilateral Commission, formada en 1972, que agrupa igualmente a plutócratas, políticos e ideólogos demócratas y marxistas, etc., de EE. UU., Europa y Japón. Entre sus promotores se halla el influyente Consejero de Seguridad Nacional de James Carter y directivo del CFR, Zbigniew Brzezinki, judío polaco naturalizado estadounidense en 1958. 

El plan mundialista cuenta con un aliado importantísimo: la Iglesia neojudía surgida del infausto Concilio Vaticano II, el cual pudo realizarse, sin duda, por la victoria del judaísmo internacional en 1945 por medio de la alianza demoplutocrática-soviética. La concepción de la Iglesia Postconciliar sobre la irrevocabilidad de la elección de Israel y de las promesas inherentes, lleva inevitablemente –como en el dispensacionalismo y el protestantismo modernista– al reino mesiánico, i.e., al Estado mundial judío. La necesidad de un gobierno universal fue expuesta por primera vez en la encíclica Pacem in terris (11-IV-1963), y desde entonces es una de las metas oficiales de la Iglesia Católica Postconciliar.

[...]

El sionismo se halla ligado simultáneamente al movimiento subversivo mundial y al capitalismo demoliberal, el cual, dígase lo que se diga, pertenece también a dicho movimiento pues ha sido el primer estadio de la subversión del ordenamiento natural y cristiano de la sociedad. El capitalismo, dominado completamente por los hebreos, ha financiado, sostenido y respaldado al sionismo desde sus orígenes, y en el plano ideológico es notoria la identidad de éste con el marxismo y el anarquismo, en cualquiera de sus variantes. "Es obvio, señala, Wistrich, que para los padres fundadores de la moderna Israel la revolución sionista se extendía más allá del reino de la política y de la creación de un estado como fin en sí. El renacimiento nacional judío era concebido no sólo como un movimiento de vanguardia del pueblo judío, sino como un batallón integrado, aunque diferenciado, dentro de un ejército internacional [...] El renacimiento nacional judío era para Ben Gurión parte de un tremendo movimiento que envuelve a toda la humanidad: la revolución mundial". 

De esto se desprende que la concreción de los objetivos mesiánicos está supeditada al triunfo del ejército internacional de la Revolución Mundial, cuya dirección ejercen los judíos, ya que aparte del "batallón" sionista, sus hermanos de raza comandan los restantes que operan en el seno de las naciones gentiles. La caída de la URSS y sus satélites, así como la desaparición de los partidos bolcheviques en gran parte del mundo, no ha detenido la Revolución Mundial en razón de que el marxismo nutre la ideología de la socialdemocracia, una de las fuerzas dominantes en las democracias, a la que se han incorporado presurosos no pocos partidos bolcheviques. Por otra parte, la Revolución Mundial, repito, engloba a las naciones democapitalistas, tradicionales impulsoras del mundialismo, y a la Masonería –y sus colaterales el Rotary Club, el Club de Leones, etc.–, cuyo decisivo protagonismo respecto al gobierno mundial ya se ha visto, así corno al Club Bilderberger, la Trilateral Commission, el Council of Foreign Relations, el Royal Institute of International Affairs, etc. Va de suyo que el proceso mesiánico se definirá fuera del Estado de Israel, por medio de "el internacionalismo mesiánico de la Diáspora". 

El papel que desempeña el sionismo pone en evidencia el grueso equívoco en que incurren quienes lo diferencian del judaísmo, como si fuera posible concebir su existencia fuera de éste. Por otro lado, la minoría judía que se opone al sionismo lo hace por razones tácticas y no por disensiones en torno a los fines del judaísmo.

10 de abril de 2024

Death In June – Misery And Purity


Robert Forbes
Death In June – Misery And Purity (1995)

Death In June – Misery And Purity é um livro sobre a banda inglesa de industrial e neofolk Death In June, formada em 1981 por Douglas Pearce e Tony Wakeford, que tinham tocado anteriormente nos Crisis. O autor afirma ter baseado a escrita em artigos seus anteriormente publicados nos fanzines Fractured e Impulse, e pretende fazer a história e uma interpretação pessoal dos DIJ até à data, finais de 1994, quando a edição de “Rose Clouds Of Holocaust” estava agendada e o alinhamento dos temas era já conhecido. Contém ainda uma listagem completa da discografia e um capítulo final dedicado aos Crisis. O livro é, portanto, uma história pormenorizada da banda, desde os seus inícios, com excertos de entrevistas dadas pelos músicos ao longo dos anos, citações da imprensa musical, reproduções fac-símile de artigos, folhetos e outro material impresso, a perspectiva do autor sobre o significado e contextualização das letras/poemas, sempre ambíguos e complexos, as capas dos discos e outros motivos de interesse em redor da banda. No fundo, o livro de um fan dirigido aos outros fans, mas feito com profissionalismo e esmero.

‘Fields Of Rape’ lost its sinister air for me on listening to the original version of this song on Current 93’s excellent “Dogs Blood Rising” LP which makes it quite clear that the word rape refers to the yellow Eurasian plant cultivated for its seeds and not the unlawful act of sexual intercourse against that person’s will. It’s not recorded anywhere how this particular collaboration between Tibet and Death In June came about, but I can only guess that Douglas P. had been so impressed by some of the lyrics to this song that he wanted to use them set to his own music. And while the version that appears on “Nada!” is not my favourite one, it is preferable to the original long industrial sounding nightmare as performed by Current 93. I’m unsure where Tibet drew inspiration for these lyrics, but a certain Isidore Ducasse is said to appear in the line up of C93 on “Dogs Blood Rising”. This in fact was the real name of Comte de Lautreamont who wrote the book “Maldoror”. It’s a real shot in the dark, but is ‘Fields Of Rape’ inspired in part by this book? 

[…] 

“Brown Book” seems much more sinister and darker than “The World That Summer” which might reflect Douglas P’s growing resignation and a preoccupation with death I believe he had at that time. Douglas P. said in Attitude Incertaine #1 that he feels a real repugnance for death. (The fanzine I think came out in 1988 but most of the interview revolves around “Brown Book”.) And partly because of this he started to feel very uneasy about the name Death In June simply because death is mentioned in it. Possibly a picture is starting to form for us of Douglas P’s state of mind during the recording of this LP. This preoccupation is possibly continued in the statement scratched into the end grooves “A holy death for Douglas” and in the first track on this LP, ‘Heilige Tod’ (Holy Death), which is just those two words repeated by Rose McDowall and John Balance without the accompaniment (or hindrance) of musical instruments. 

The predominant instrument throughout this LP is the acoustic guitar and there was a reason behind this new musical angle as Douglas P. explained in Fear And Loathing #9:- “I think that way it approaches the purity of what we want to do in a much better way.” That attaining of purity is unmistakable. In a French interview, Douglas P. remarked:- “I like the sound of misery and purity.” Both are to be found on “Brown Book”.

6 de abril de 2024

Eurico, o Presbítero


Alexandre Herculano
Eurico, o Presbítero (1844)

Eurico o Presbytero é uma narrativa que decorre no século VIII, entre os últimos dias da Hispânia visigótica, caída aos pés dos sarracenos, e o seu renascimento, onze anos depois, com Pelágio, em Covadonga. Eurico, a personagem principal, entrou no clero depois de um amor impossível, e transforma-se no cavaleiro negro após a invasão árabe, um combatente temerário nos campos de batalha; no final, volta a ser confrontado com o seu amor, separado agora pelos seus votos religiosos. Um romance histórico de desenlace trágico, típico da literatura romântica, apesar da ressalva que o autor escreve nas notas finais, sobre a ausência de fontes históricas acerca da vida quotidiana dos visigodos.
O excerto escolhido pertence à descrição da batalha de Guadalete (Chryssus), mantendo a ortografia original da edição lida, de 1859.

Ao som, porém, das trombetas que annunciavam o renovar do combate, o cavalleiro negro não tardára a apparecer onde mais accesa andava a briga. Via-se, comtudo, que era principalmente nas fileiras dos arabes, onde as púas agudas e cortadoras da sua temerosa borda, ou maça d'armas, faziam maiores estragos. Mas quando algum dos godos transfugas ousava esperar-lhe os golpes, ou tentava ferí-lo, ouvia-se-lhe um rugido como o de maldicção preso na garganta por colera immensa, e o seu miseravel contrario não tardava a golfar o sangue na terra da patria que trahíra, e a entregar aos demonios a alma tisnada pela infamia da perfidia. Os arabes supersticiosos quasi criam ver nelle Eblis, o rei infernal do Gehenna, armado da espada percuciente, solto por Deus para os punir das offensas commettidas contra o divino koran. Diante delle recuavam os mais esforçados mosselemanos, e só de longe os frecheiros lhe disparavam alguns tiros, que se lhe empennavam no escudo, ou roçando por estes vinham bater-lhe na armadura, debaixo da qual manava já o sangue de algumas feridas, e os membros lassos começavam a desmentir a impetuosidade do espirito. 

Como na vespera, o sol inclinava-se das alturas do céu para o occaso, e ainda a batalha estava indecisa, se é que o terror que incutia o cavalleiro negro no logar onde pelejava, não fazia pender um pouco a balança do lado dos godos. De repente um grito agudo partiu do mais espesso revolver do combate; este grito gigante, indizivel, d'intima agonia, era o brado unisono de muitos homens; era o annuncio doloroso de um successo tremendo. O cavalleiro negro, que, impellido pela ebriedade do sangue, e semelhante a rochedo que se despenha pelo pendor da montanha, ia derramando a morte através dos esquadrões do Islam, volveu os olhos para o logar onde soára o bramido retumbante da multidão. Era no centro do exercito godo. As tiuphadias vergavam em semicirculos para a batida do Chryssus, como o açude minado pela torrente, a ponto de desprender-se das margens, oscilla e se curva bojando sobre a veia inferior das aguas. A muralha de ferro, que, posta entre o Islamismo e a Europa, dizia á religião do propheta d'Yatrib — não passarás d'aqui — vacilla como a quadrella de cidade fortificada batida muitos dias por vaivem d'inimigos. Por fim aquelles vastos massiços d'homens, ligados pela cadeia fortissima da disciplina, do pudor militar, e do esforço, derivam rotos ante os turbilhões dos arabes, ondeam, e derramam-se na campina. Pelo boqueirão enorme aberto no centro da hoste goda precipitam-se as ondas dos cavalleiros mohametanos, e após elles a turba dos bereberes com um bramido barbaro. Debalde as alas tentam ajunctar-se, travar-se uma com outra, soldar os membros despedaçados do leão iberico. Passa por lá a impetuosa corrente dos netos d'Agar, que envolve e arrasta os que pretendem vadea-la. Deus contára os dias do imperio de Leuwighild, e o sol do ultimo delles era o que descia já para o occidente!

2 de abril de 2024

S is for Space


Ray Bradbury
S is for Space (1966)

Muito do escrevi acerca de R is for Rocket aplica-se igualmente a S is for Space. E, pelo paralelismo dos títulos, não é de admirar a existência de edições que agregam os dois livros. S is for Space recolhe outros 16 contos, datados entre 1946 e 1962, narrativas insólitas tantas vezes de final aberto, onde a FC é, quando muito, uma pequena porção na temática fantástica da obra de Ray Bradbury, como bem sabem os seus leitores. Daí o título que o jornal Libération fez em 2012, num artigo dedicado ao escritor, após a sua morte: “Ray Bradbury, l'homme qui aimait la fiction, pas la science.” O trecho escolhido pertence a “Dark They Were, and Golden-Eyed”, publicado originalmente em 1949 sob o título “The Naming of Names”.

In the following days, Bittering wandered often through the garden to stand alone in his fear. As long as the rockets had spun a silver web across space, he had been able to accept Mars. For he had always told himself: Tomorrow, if I want, I can buy a ticket and go back to Earth.
But now: The web gone, the rockets lying in jigsaw heaps of molten girder and unsnaked wire. Earth people left to the strangeness of Mars, the cinnamon dusts and wine airs, to be baked like gingerbread shapes in Martian summers, put into harvested storage by Martian winters. What would happen to him, the others? This was the moment Mars had waited for. Now it would eat them.
He got down on his knees in the flower bed, a spade in his nervous hands. Work, he thought, work and forget.
He glanced up from the garden to the Martian mountains. He thought of the proud old Martian names that had once been on those peaks. Earthmen, dropping from the sky, had gazed upon hills, rivers, Martian seats left nameless in spite of names. Once Martians had built cities, named cities; climbed mountains, named mountains; sailed seas, named seas. Mountains melted, seas drained, cities tumbled. In spite of this, the Earthmen had felt a silent guilt at putting new names to these ancient hills and valleys.
Nevertheless, man lives by symbol and label. The names were given.
Mr. Bittering felt very alone in his garden under the Martian sun, anachronism bent here, planting Earth flowers in a wild soil.


Li anteriormente:
R is for Rocket (1962)
Crónicas Marcianas (1950)
O Homem Ilustrado (1951)

27 de marzo de 2024

R is for Rocket


Ray Bradbury
R is for Rocket (1962)

A bibliografia de Ray Bradbury é composta essencialmente de contos, pequenos textos publicados um pouco por todo o lado, em número superior a quatro centenas. Algumas das suas novelas, como The Martian Chronicles ou Dandelion Wine, são, elas próprias, a reutilização de textos previamente existentes, inseridos e adaptados a um formato mais longo. Assim, exceptuando as onze novelas, os restantes títulos da sua autoria são, na grande maioria, antologias de contos, incluindo por vezes um par de textos inéditos, pelo que é frequente encontrar nelas alguns contos já aparecidos em livros anteriores – como aqui acontece com “The Long Rain” ou “The Fog Horn”, por exemplo. R is for Rocket é uma dessas colectâneas e contém 17 contos datados entre 1943 e 1956. O excerto abaixo foi retirado de “The Strawberry Window”.

His wife moved, a slight turn of her head.
Bob," she said at last, "I want to go home!"
"Carrie!"
"This isn't home," she said. He saw that her eyes were wet and brimming. "Carrie, hold on awhile!"
"I've got no fingernails from holding on now!"
As if she still moved in her sleep, she opened her bureau drawers and took out layers of handkerchiefs, shirts, underclothing, and put it all on top of the bureau, not seeing it, letting her fingers touch and bring it out and put it down. The routine was long familiar now. She would talk and put things out and stand quietly awhile, and then later put all the things away and come, dry-faced, back to bed and dreams. He was afraid that some night she would empty every drawer and reach for the few ancient suitcases against the wall.
"Bob. . ." Her voice was not bitter, but soft, featureless, and as uncolored as the moonlight that showed what she was doing. "So many nights for six months I've talked this way, I'm ashamed. You work hard building houses in town. A man who works so hard shouldn't have to listen to a wife gone sad on him. But there's nothing to do but talk it out. It's the little things I miss most of all. I don't know—silly things. Our front-porch swing. The wicker rocking chair, summer nights. Looking at the people walk or ride by those evenings, back in Ohio. Our black upright piano, out of tune. My Swedish cut glass. Our parlor furniture—oh, it was like a herd of elephants, I know, and all of it old. And the Chinese hanging crystals that hit when the wind blew. And talking to neighbors there on the front porch, July nights. All those crazy, silly things . . . they're not important. But it seems those are things that come to mind around three in the morning. I'm sorry."
"Don't be," he said. "Mars is a far place. It smells funny, looks funny, and feels funny. I think to myself nights too. We came from a nice town."
"It was green," she said. "In the spring and summer. And yellow and red in the fall. And ours was a nice house; my, it was old, eighty-ninety years or so. Used to hear the house talking at night, whispering away. All the dry wood, the banisters, the front porch, the sills. Wherever you touched, it talked to you. Every room a different way. And when you had the whole house talking, it was a family around you in the dark, putting you to sleep. No other house, the kind they build nowadays, can be the same A lot of people have got to go through and live in a house to make it mellow down all over. This place here, now, this hut, it doesn't know I'm in it, doesn't care if I live or die. It makes a noise like tin, and tin's cold. It's got no pores for the years to sink in. It's got no cellar for you to put things away for next year and the year after that. It's got no attic where you keep things from last year and all the other years before you were born. If we only had a little bit up here that was familiar, Bob, then we could make room for all that's strange. But when everything, every single thing is strange, then it takes forever to make things familiar."
He nodded in the dark. "There's nothing you say that I haven't thought."


Li anteriormente:
Crónicas Marcianas (1950)
O Homem Ilustrado (1951)
Fahrenheit 451 (1953)

25 de febreiro de 2024

O Mistério das Catedrais



Fulcanelli
O Mistério das Catedrais (1926)

Ninguém sabe quem se ocultou sob o pseudónimo Fulcanelli, à excepção de Eugène Canseliet, autor dos prefácios desta obra e seu pretenso discípulo. Especula-se que Canseliet poderia ser o verdadeiro autor, tal como Jean-Julien Champagne – responsável pelas gravuras que acompanhavam a edição original, entretanto substituídas por fotografias em edições posteriores –, entre outras hipóteses aventadas. O livro conheceu algum interesse no período entre guerras, mas foi sobretudo a partir do aparecimento d’O Despertar dos Mágicos, de Pauwels e Bergier, onde é profusamente citado, que a sua projecção aumentou.

Segundo Fulcanelli, as catedrais góticas eram o repositório do conhecimento da alquimia medieval, esculpido na pedra, à vista de todos, mas acessível apenas aos iniciados, capazes de apreender o significado dos símbolos e da doutrina hermética. Descrevendo a alquimia como ciência exacta, mas esotérica, cujo saber é transmitido de mestre a discípulo, faz alusão a uma série de segredos que não podem ser revelados a profanos – é legítimo, então, perguntar qual o sentido de editar um livro como este, por certo dirigido aos profanos, dado que as “revelações” no campo da alquimia serão o bê-á-bá de qualquer praticante digno desse nome.
O Mistério das Catedrais faz um estudo hermético da catedral gótica, tomando Notre-Dame de Paris como maior exemplo, analisando esculturas e pormenores arquitectónicos, fazendo depois o paralelo com a Notre-Dame de Amiens, acrescentando ainda dois exemplos adicionais de arquitectura civil em Bourges, e um cruzeiro em Hendaia. Poder-se-ia ser tentado a reconhecer uma apropriação de temas sagrados e cenas bíblicas, existentes nas catedrais, a posteriori, para a interpretação alquímica e esotérica; no entanto, torna-se mais verosímil ter existido alguma influência da alquimia no alto clero, pois não parece credível que a Igreja não encontrasse no seu seio alguém capaz de identificar aquela simbologia, à época, e financiasse as construções sem a mínima noção do seu significado, como parece sugerir Fulcanelli. Fica também por perceber se Paris e Amiens são casos isolados, ou até que ponto as catedrais góticas francesas (e fora de França) estarão recobertas de simbologia alquímica.

O século XVIII, reino da aristocracia e do belo espírito, dos abades da corte, das marquesas empoadas, dos gentis-homens de peruca, tempo abençoado dos mestres de dança, dos madrigais e das pastoras de Watteau, o século brilhante e perverso, frívolo e amaneirado que deveria afogar-se em sangue, foi particularmente nefasto para as obras góticas. 
Arrastados pela grande corrente de decadência que tomou, sob Francisco I, o nome paradoxal de Renascimento, incapazes de um esforço equivalente ao dos seus antepassados, completamente ignorantes da simbólica medieval, os artistas aplicaram-se a reproduzir obras bastardas, sem gosto, sem carácter, sem pensamento esotérico, mais do que a prosseguir e a aperfeiçoar a admirável e sã criação francesa.
Arquitectos, pintores, escultores, preferindo a sua própria glória à da Arte, dedicaram-se aos modelos antigos imitados em Itália.
Os construtores da Idade Média tinham como apanágio a fé e a modéstia. Artesãos anónimos de puras obras-primas, construíram para a Verdade, para a afirmação do seu ideal, para a propagação e a nobreza da sua ciência. Os do Renascimento, preocupados sobretudo com a sua personalidade, ciosos do seu valor, construíram para a posteridade do seu nome. A Idade Média deveu o seu esplendor à originalidade das suas criações; o Renascimento deveu a sua fama à fidelidade servil das suas cópias. Aqui, um pensamento; ali, uma moda. De um lado, o génio; do outro, o talento. Na obra gótica, a construção permanece submetida à Ideia; na obra renascentista, domina-a e apaga-a. Uma fala ao coração, ao cérebro, à alma: é o triunfo do espírito; a outra dirige-se aos sentidos: é a glorificação da matéria. Do século XII ao século XV, pobreza de meios mas riqueza de expressão; a partir do século XVI, beleza plástica, mediocridade de invenção. Os mestres medievais souberam animar o calcário vulgar; os artistas do Renascimento deixaram o mármore inerte e frio.
É o antagonismo desses dois períodos, nascidos de conceitos opostos, que explica o desprezo do Renascimento e a sua profunda repugnância por tudo o que era gótico.
Tal estado de espírito devia ser fatal à obra da Idade Média; e é a ele que, efectivamente, devemos atribuir as inúmeras mutilações que hoje deploramos.

9 de febreiro de 2024

O que Há-de Ser o Mundo no Ano Três Mil


Pedro José Supico de Morais
O que Há-de Ser o Mundo no Ano Três Mil (1860)

Este livro tem uma história algo nebulosa. Foi publicado em Lisboa em 1860, sem nenhuma referência ao nome do autor na capa ou no frontispício, e era preciso ler a primeira página de texto, a "Protestação", para encontrar o nome de Pedro José Suppico de Moraes. E só na página 179 se revela ao leitor o nome do autor original da obra O que Ha de ser o Mundo no Anno Tres Mil: E. Souvestre. Na verdade, o francês Émile Souvestre escreveu Le Monde tel qu’il Sera em 1846, mas Supico de Morais (pseudónimo de Sebastião José Ribeiro de Sá) não se limitou a fazer a tradução, antes uma adaptação para o leitor português do século XIX, com alterações significativas ao texto original.
Assim, Marta e Maurício, jovem casal na contemplação da paisagem nocturna parisiense, expressam o desejo de poder ver o belo futuro longínquo, dormir durante séculos para acordar num mundo perfeito. De imediato aparece um ente demoníaco, Sir John Progresso, que se dispõe a fazer-lhes a vontade, e eis que Marta e Maurício acordam no ano 3000, numa sociedade distópica, cuja descrição fantasiosa e caricatural destina-se sobretudo a ridicularizar, pelo exagero, o materialismo da burguesia novecentista. Este admirável mundo novo, entre a sátira corrosiva e alguma nota sentimental, não se enquadra propriamente na ficção-científica, ao modo de Júlio Verne ou H.G. Wells, tem mais afinidades com as viagens fantásticas de Jonathan Swift ou Cyrano de Bergerac.

O observatorio da cidade Sem-Egual estava edificado no centro de um espaçoso jardim, e ficava em altura propria, a fim de, sem obstaculo, descobrir o horisonte.
Era nesse recinto consagrado ás lentes e ás tabellas, que o maior astronomo da capital mantinha em escrupulosa exactidão o registro civil dos corpos celestes, contendo com fabuloso escrupulo, em muitas casinholas riscadas, as allianças e a época da sua morte. A lua era ha muito tempo o particular objecto da attenção do sabio. De dia andava à procura della, e á noite ficava horas inteiras em contemplação ante o pallido astro, como dizem os poetas.
Quando Palafox, o doutor, e seus hospedes entraram, o sabio tinha a mão esquerda sobre o joelho, e a direita no movimento do telescopio pelo qual olhava em extasis com queixo caido e as farripas erguidas em volta da espaçosa calva.
— Ainda os estou vendo, dizia elle a Palafox sem se voltar; são os mesmos de hontem.
— Estaes a vêr quem? perguntou o academico aproximando-se.
— Quem? replicou Palafox, que tinha estado aopé do astrologo, o mesmo par de amantes lunaticos, que o nosso illustre amigo está observando ha oito dias, tendo sido testimunha de todos os preliminares da paixão : signaes telegraphicos pelas janellas, troca de cartas, e saltos pelos muros.
— Eil-os que se aproximam, interrompeu o astronomo. Distingo tudo perfeitamente, menos o rosto da mulher, porque está cuberto com um veu. A scena é n'um jardim. . . com um kiosque. . . Lá se assentam á sombra de uma figueira.
— Mau signal, resmungou o doutor ; é a arvore perto da qual nossa primeira mãe encontrou Satanaz!
— A mulher parece assustada. . . disse o astrólogo, sem deixar de olhar pelos vidros do telescopio, nem um momento. . . Olha em roda de si como quem desconfia.
— Dar-se-ha caso que na lua também haja maridos! observou o corretor de narizes e generos coloniaes; e voltando-se para o academico Universal, como quem se lembra de uma coisa a proposito de outra, disse-lhe : Meu doutor se me explicasseis a fórma symbolica do crescente da lua muito vos agradeceria. . .
— Silencio pelo amor de Deus, bradou o astronomo ; a lua póde ter ouvidos. . . a mulher está resolvida a sentar-se.
Neste ponto começou o seguinte dialogo entre os dois académicos :
— Muito bem! e depois. . .
— Elle pede-lhe a mão com um gesto. . .
— E ella?
— Resiste.
— É para que peça as duas. . .
— Elle da-lhe um abraço. . .
— Bom signal.
— Ajoelha a seus pés. . .
— Ora essa, exclamou Palafox, em tal caso a vida na lua não é muito differente da que passamos por este mundo.
— Parece-me que deve haver alguma identidade, interrompeu sorrindo Mauricio.
— Mas por que razão deve existir essa identidade? perguntou o dr. Universal.
Maurício respondeu, porque o telescopio retomara a sua posição horisontal, e em vez de estar voltado para a lua, está na direcção do jardim.
O astronomo recuou dando um salto de cabrito.
— O jardim! repetiu elle . . . os coqueiros! . . o kiosque! . . . a figueira! . . .
— Tudo isto está diante da nossa vista.
O astronomo correu novamente para o telescópio.
— É verdade! disse elle. . . nunca tinha reparado em similhante coisa. E pondo-se em pé, espantado como um touro saido do curro ao estacar com a praça povoada de milhares de espectadores, eis que brada :
— Mas quem será a mulher que ia deixar cair o veu? . . . Dá nova investida ao telescopio, e com um grito sáem-lhe dos labios estas palavras :
— É minha mulher!
O que o pobre homem julgava vêr na lua é o que se estava passando em sua casa.
Houve um momento de perturbação geral. Palafox e o dr. Universal olharam um para o outro, Mauricio affastou-se um pouco da scena, e o dr. Telescópio foi cair sobre uma cadeira pallido e estupefacto.
— Não era o nosso querido satellite, balbuciou elle a final com terror.
— Era o vosso jardim o campo das observações que me admiravam, redargiu Palafox.

5 de febreiro de 2024

Infiltración Mundial


Salvador Borrego
Infiltración Mundial (1968)  

Infiltração Mundial tem muitos pontos de contacto com Derrota Mundial, refazendo a mesma cronologia histórica, desta vez mais focado na infiltração marxista no coração do III Reich que, em última análise, o conduziu à derrota. Sabe-se que a doutrina de Marx não se destinava, originalmente, à Rússia (então um país quase medieval), mas aos países onde o capitalismo se encontrava mais desenvolvido, nomeadamente a Alemanha. A Revolução de Outubro foi uma oportunidade inesperada, consequência da 1GM, e o regime leninista passou a ser defendido com unhas e dentes, por políticos e banqueiros internacionais, com o fito de estender logo que possível a Revolução Mundial à Alemanha; a união do colosso industrial com o colosso de matérias-primas seria imparável. Durante a República de Weimar os dois países assinaram, em 1922, o Tratado de Rapallo, que teve como consequência a transferência massiva do avançado conhecimento técnico e industrial alemão para a URSS, permitindo aos soviéticos uma industrialização vertiginosa, sem que a Alemanha tenha tido contrapartidas visíveis. Com a chegada de Adolf Hitler ao poder o panorama mudou; no entanto, os dissimulados bolchevistas alemães conseguiram permanecer infiltrados no aparelho estatal, a todos os níveis, sem desistir do projecto revolucionário inicial. No desenrolar da 2GM essa teia de cumplicidades sabotou todo o esforço de guerra com o único fito de salvar o marxismo estalinista, procurando a derrota da Alemanha e a submissão a Moscovo. A infiltração estava colocada em postos cruciais: altas chefias do Estado Maior alemão, no Alto Comando, na Gestapo (surpreendentemente ingénua, apesar da imagem diabólica que dela se criou), até na própria SS. O Almirante Canaris, director do serviço de contra-espionagem e um dos traidores mais notórios, passou informação primordial ao inimigo durante cinco anos de guerra, ao mesmo tempo que ludibriava com informação falsa o lado alemão. Na verdade, o inimigo tinha todas as informações e todos os pormenores das movimentações militares seis a doze horas depois das decisões tomadas em Berlim, através de um contacto rádio via Suíça, o que lhe permitia anular o efeito surpresa e tomar as contra-medidas adequadas. Grande parte desta conspiração foi desmantelada após o atentado de 20 de Julho de 1944, demasiado tarde porém para mudar o curso da guerra. 

A infiltração estava também espalhada por todo o Ocidente, como se comprovou no pós-guerra, votada ao triunfo do marxismo (enquanto ele foi instrumento útil dos poderes nas sombras) e permite perceber, por exemplo, as razões profundas que levaram à designada "caça às bruxas" do senador McCarthy, que nada teve a ver com uma perseguição paranóica e injustificada, tal como tem sido apresentada ao grande público.

El Movimiento de Infiltración no tenía muchos miembros, pero se hallaban colocados en sitios importantísimos. Su meta esencial era salvar al marxismo. Primero quisieron enganchar a Alemania con la URSS, como había empezado a hacerlo el Tratado de Rapallo, y cuando vieron que esto no era posible empezaron a enviar secretos a Moscú para que derrotara a las tropas alemanas.
Dicho movimiento permaneció siempre con este claro propósito. Sus miembros no cambiaron jamás de actitud, ni en los años en que Alemania iba de triunfo en triunfo, ni cuando la victoria estaba cerca, ni cuando era factible lograr una paz ventajosa. Ellos luchaban por el marxismo, según lo reiteró después de la guerra Rudolf Roessler, el intermediario entre la Infiltración radicada en Alemania y el Alto Mando soviético.
Es importante distinguir que además de la Infiltración había un pequeño grupo cambiante de descontentos que no simpatizaban con Hitler, o que creían en otra línea política menos audaz, o que ante las grandes dificultades perdían la moral. Estos hombres no eran propiamente infiltrados, aunque el movimiento de infiltración los cultivó y los utilizó ocasionalmente para sus fines.
Estos últimos buscaban categóricamente la derrota de Alemania como un medio para erigir un nuevo Régimen que fuera adicto a Moscú. Eso mismo había ocurrido en Rusia en 1916-1917, cuando los comunistas encabezados por Lenin, Trotzki, Stalin, Kamenev, Zinoviev, querían la derrota de Rusia en la primero guerra mundial para que sobreviniera el caos y pudiera luego surgir un régimen marxista.
Por eso la Infiltración que operaba en Alemania maniobró para que Hitler no lograra la paz con occidente; saboteó el esfuerzo bélico; transmitió secretos a fin de hacer fracasar la lucha en diversos frentes occidentales y, finalmente, desde que se inició la invasión de la URSS, desplegó un esfuerzo supremo para ayudar de mil modos al Ejército Rojo.
Los generales Hammerstein, ex jefe del ejército y Ludwig Beck, ex jefe del Estado Mayor General, nunca aportaron una idea ni movieron un dedo a favor de la lucha que su país realizaba, pero sí estuvieron siempre conspirando para provocar un cataclismo interno. Canaris, Schacht, Hassell, Oster y otros más quizá cientos eran de la misma condición. 

[...] 

Heydrich desconfiaba, y más por intuición que por huellas concretas, pensaba que había una filtración en el Alto mando Alemán. Concretamente recelaba del almirante Canaris.
A principios de 1942 la Gestapo capturó a un tal Dr. Strassman, sospechoso, y se averiguó que tenía conexiones con dos empleados del general Oster, o sea el segundo de Canaris. Heydrich quiso continuar las investigaciones con sumo tacto, sin tocar por de pronto a Oster para no alertar a los posibles culpables y evitar que se "sumergieran".
También con sumo cuidado Heydrich estaba haciendo espiar a Canaris. ¿Desconfiar del almirante, que había realizado una carrera intachable y que había sido uno de los primeros partidarios de Hitler cuando este llegó al poder?... Parecía insensato, pero algo le decía a Heydrich que Canaris era falso, que realizaba un doble juego.
Canaris también hacia espiar a Heydrich. Por el general Nebe —infiltrado en la Gestapo— Canaris sabía que Heydrich recelaba de él.
En ese punto las huellas desaparecen (porque muchísimos de los pasos de los pasos de los conjurados no dejaron huellas), pero alguien pensó en un audaz golpe para matar a Heydrich, precisamente en esos días. ¿Fue Canaris? ¿Hizo saber a sus cómplices en el extranjero que estaba en gravísimo peligro y que él no podía liquidar a Heydrich porque enseñaría las manos?
Eso se ignora. Lo que sí se sabe a ciencia cierta es que el israelita J.E. Sireni, partidario de la URSS y radicado en Londres, aconsejó al "Inteligence Service" británico que arrojara un comando de paracaidistas judíos detrás de las líneas alemanas para matar a Heydrich. En efecto, a mediados de mayo un avión de la RAF arrojó en Checoslovaquia a Jan Kubis, Joseph Gabeik y otros varios.
Estos sabían que Heydrich se alojaba en una casa de campo cerca de Praga y que usaba un Mercedes descapotable para ir a su oficina de la capital checa. No llevaba escolta, iba uniformado y únicamente lo acompañaba su chofer. Lo acecharon en el camino y le arrojaron una bomba de manufactura inglesa.
Mortalmente herido, Heydrich sacó su pistola e hizo fuego, pero enseguida se desplomó moribundo y cinco días después falleció. [...] El asesinato de Heydrich fue, por dos años más, la salvación de los inminentes infiltrados.


Li anteriormente:
Derrota Mundial (1953)

30 de xaneiro de 2024

Brighter Than A Thousand Suns


Robert Jungk
Brighter Than A Thousand Suns (1956)

Robert Jungk, autor de Mais Brilhante do que Mil Sóis, escritor e jornalista judeu nascido na Alemanha, tem, como tema dominante da sua obra literária, as questões levantadas pelo surgimento do armamento nuclear. Este livro em particular, balizado entre os anos de 1918 e 1955, acompanha as descobertas da Física que deram o suporte teórico ao desenvolvimento da bomba atómica (e à corrida ao armamento nuclear que se lhe seguiu), bem como as questões éticas e morais que se levantaram ante os cientistas, conscientes que o resultado do seu trabalho permitiria abrir portas ao aparecimento de armas de destruição massiva. Foi, igualmente, o primeiro livro publicado acerca do Projecto Manhattan. Resultado de entrevistas pessoais com os envolvidos na primeira linha da investigação – acompanhando essencialmente o seu ponto de vista e posicionamento – o livro acabou por se tornar objecto de controvérsia, ou porque alguns entrevistados contestaram a interpretação, ou até o sentido das suas declarações, ou porque o próprio Jungk considerou ter sido propositadamente induzido em erro com alguma da informação recebida. O certo é que num meio tão sensível e envolto em secretismo, a partir do momento em que foi capturado pela aplicação militar, é natural que as verdades de ontem se tornem nas mentiras de hoje. É, ainda assim, uma leitura quase viciante, sobre um tema um tanto árido, que marcou aquelas décadas do século XX.

These scientists were not only concerned about their personal freedom. They desired in particular to be free to enlighten their fellow men about the terrors of the new weapon. When they read in the newspapers, at that time, that members of Congress were in favour of the United States keeping the secret of the atom bomb to themselves, the physicists would have liked to retort that there was no atomic secret which could not be detected within a very short time by any nation scientifically of the first rank. They would have liked to press for the immediate convocation, on American initiative, of an international conference on the control of atomic development, as had been desired by Bohr, Szilard, and the author of the Franck Report.
A special subject brought up by the scientists at Los Alamos was the game of hide-and-seek played by the Army with the problem of radioactivity. Even before the atomic weapon had first been used some physicists had entreated General Groves to allow pamphlets to be dropped at the same time as the bomb, pointing out the unfamiliar dangers of radioactivity arising from the explosion of this new weapon. This request had been refused by the military authorities, for they feared that such warnings might be interpreted as a confession that they had been employing a type of weapon like poison gas.
They proceeded, probably from similar motives, to try to divert attention from the radioactive effects of atomic bombardment. It was explained that there was now no dangerous radioactivity to be found in the ruins of Hiroshima, and the number of the victims who had been exposed, at the moment of the explosion, to a fatal dose of radiation or one likely to cause chronic illness, was kept secret. Groves stated openly at a Congressional hearing that he had heard death from radiation was 'very pleasant'.
[...]
Just as in August 1945 and February 1950, so now, for the third time, the entire world was seized with horror at the frightful violence of the new weapons. The Japanese fishermen had been far beyond the danger zone determined by the Americans. And yet they had been exposed, some 120 miles away from the point of explosion, to its effects. They reached their home port of Yaizu on 14 March, sick and weak with sufferings they could not account for, and were at once taken to the hospital.
It was rumoured that the scientists had lost control of the new bomb, which had liberated the terrific quantity of energy equal to between 18 and 22 million tons of TNT. Mike's explosive force had been equal only to 3 million tons of dynamite. It was admitted that the bang had been twice as powerful as had been anticipated. But even more disturbing than this news was the poisonous effect of the new projectile, which was identified during the following days in rain over Japan, in lubricating oil on Indian aircraft, in winds over Australia, in the sky over the United States, and as far away as Europe.
The previous bombs had affected only the conscience of mankind, so soon to relapse again into apathy; but the latest 'hell bombs', it was evident from the reports, endangered the air that man breathed, the water he drank, and the food that he ate. They menaced, even in times of peace, the health of every person, wherever he lived.


24 de xaneiro de 2024

Cabalgar el Tigre


Julius Evola
Cabalgar el Tigre (1961)

Cavalgar o Tigre é uma análise aos vários vectores convergentes nas causas da dissolução social que assola o mundo moderno – ou seja, a civilização ou a sociedade burguesa. Na primeira parte debruça-se sobre o niilismo europeu que tomou forma com a morte de Deus, a percepção de Dostoievski, e como Nietzsche tentou resolver a questão, transferindo o princípio superior para o Homem que, decididamente, não está à altura da tarefa, deixando, na sua crítica, uma frase assassina: "Um verdadeiro niilismo não deixaria sequer a salvo a doutrina do super-homem".
Percorre depois o existencialismo, considerando-o como sinal dos tempos, forçado e snob na sua face mais popularizada, anarcoide, anticonformista e rebelde; a sua origem nas tertúlias universitárias, tipicamente pequeno-burguesas, desligadas na prática do que caracterizava a corrente teórica, dominado por sentimentos análogos aos previstos por Nietzsche, que assaltariam o homem libertado de Deus, e, sem ter a estatura necessária, seria esmagado por eles. O existencialismo nunca conseguiu ser a superação do sistema nietzschiano, e é descrito como um beco sem saída.
A parte final do livro volta-se para a ciência moderna, como produto previsível do enquadramento onde nasceu, da sua relação com o conhecimento, contendo ainda alguns capítulos sobre outros aspectos que marcam a sociedade, como as artes, a política, a economia, etc., vistos à luz da premissa inicial deste livro – o lugar do "homem diferenciado" não é onde se defende (o mundo burguês), mas onde se ataca.

La ciencia moderna entera no tiene el menor valor de conocimiento; se funda incluso en una renuncia formal al conocimiento en el sentido verdadero del término. La fuerza motriz y organizadora del conocimiento no procede del ideal del conocimiento sino exclusivamente de la exigencia practica, podría incluso decirse de la voluntad de poder aplicada a las cosas, a la naturaleza. Que se nos comprenda bien: no hablamos aquí de las aplicaciones técnicas e industriales aunque es evidente que la ciencia les debe principalmente su prestigio entre las masas, ya que en ellas se ve una prueba perentoria de su validez. Se trata, por el contrario, de la naturaleza misma de los procedimientos científicos en la fase que precede a las aplicaciones técnicas, la fase llamada de "investigación pura". En efecto, la noción misma de "verdad" en el sentido tradicional es ajena a la ciencia moderna; esta se interesa únicamente en hipótesis y fórmulas que permitan prever con la mayor exactitud posible el curso de los fenómenos y llevarlos a una cierta unidad. Y como no es cuestión de "verdad", como tampoco se trata de ver, sino de "tocar"; la noción de certidumbre en la ciencia moderna se reduce a la de la "mayor probabilidad", que todas las certidumbres científicas tengan un carácter exclusivamente "estadístico", los hombres de ciencia lo reconocen abiertamente, y en la física más reciente de las partículas, más categóricamente que nunca, el sistema de la ciencia no es más que una pequeña red que se cierra más y más en torno a un quid que, en sí mismo, permanece incomprensible con el único fin de poder domesticarlo en vista a fines prácticos. 

Estos fines prácticos —repitámoslo— no conciernen más que en un segundo tiempo a las aplicaciones técnicas: sirven de criterio en el dominio mismo que debería ser el de conocimiento puro, en este sentido, incluso aquí, la tendencia fundamental es a esquematizar, ordenar la materia de los fenómenos de la forma más simple y manejable. Como se ha explicado muy justamente, un método se forma a partir de la fórmula simplex sigillum veri ["Lo simple es el sello de la verdad"], que confunde la verdad (o el conocimiento) con lo que no satisface más que a una necesidad práctica, exclusivamente humana, del intelecto. En último análisis, el impulso del conocer se transforma en un impulso para dominar, y es un sabio, Bertrand Russell, quien ha reconocido que la ciencia, de medio para conocer el mundo, se ha transformado en un simple medio para cambiar el mundo. […] 

La "objetividad" científica consiste únicamente en estar dispuesto en todo momento a abandonar las teorías e hipótesis en vigor, en cuanto se presentan otras susceptibles de controlar mejor la realidad y de hacer entrar en el sistema de lo que se había vuelto ya previsible y utilizable fenómenos que no habían sido aún estudiados o que parecían irreductibles: y esto en ausencia de todo principio válido de una vez por todas, por sí mismo, en virtud de su naturaleza intrínseca. Igualmente, quien puede utilizar un fusil moderno de largo alcance abandona pronto el fusil de pedernal.

Li anteriormente:
El Misterio del Grial (1937)
Imperialismo Pagano (1928)
Revolta Contra o Mundo Moderno (1934)

13 de xaneiro de 2024

El Error Espiritista

 


René Guénon
El Error Espiritista (1923)

Na esteira de O Teosofismo, René Guénon dedicou a sua atenção ao espiritismo, denunciando-lhe o carácter moderno, na teorização e interpretação dos fenómenos que pretende explicar. Uma vez mais, encontra-se aqui a crença no progresso, através da ideia da reencarnação, bem como um tom de fundo socialista e humanitário desde a sua origem, que espelha o pensamento dos seus fundadores, na primeira metade do séc. XIX, não chegando sequer a constituir uma pretensa doutrina – como a teosofia – mas, simplesmente um aglomerado grosseiro de convicções moralistas e sentimentalistas, próprias para a satisfação de uma vaga religiosidade. E ainda, não menos significativo, o aspecto essencialmente material de que se reveste a comunicação com os mortos, e a preocupação de envolver as suas teorias numa aparência «científica», tal como ela é entendida na modernidade. Admitindo, após excluir as muitas fraudes, que resta ainda um conjunto de fenómenos resistentes à catalogação, identificados em tempos e culturas diversas, cuja explicação está muito distante da que é proposta por espiritistas e "neoespiritualistas", Guénon adverte para os riscos desta prática, onde a teoria jamais se separa da experiência, concluindo que, se o espiritismo fosse unicamente teórico, seria muito menos perigoso do que é na realidade.

Pero volvamos a las enseñanzas de los «espíritus» y a sus innumerables contradicciones: admitiendo que esos «espíritus» sean aquello por lo que se dan, ¿qué interés puede tener escuchar lo que dicen si no concuerdan entre ellos, y si, a pesar de su cambio de condición no saben más que los vivos? Sabemos bien lo que responden los espiritistas, que hay «espíritus inferiores» y «espíritus superiores», y que estos últimos son los solos dignos de fe, mientras que los otros, bien lejos de poder «iluminar» a los vivos, tienen frecuentemente necesidad al contrario de ser «iluminados» por ellos; ello, sin contar con los «espíritus farsantes» a los que se deben un montón de «comunicaciones» triviales o incluso obscenas, y que es menester contentarse con desecharlas pura y simplemente; ¿pero cómo distinguir estas diversas categorías de «espíritus»? Los espiritistas se imaginan tratar con un «espíritu superior» cuando reciben una «comunicación» a la que encuentran de un carácter «elevado», ya sea porque tiene un matiz de prédica, o ya sea porque contiene divagaciones vagamente filosóficas; pero, desgraciadamente, las gentes sin partido tomado no ven en ellas generalmente más que un entramado de simplezas, y si, como ocurre frecuentemente, esa «comunicación» está firmada por un gran hombre, tendería a hacer creer que éste ha hecho todo lo contrario que «progresar» después de su muerte, lo que pone en entredicho el evolucionismo espiritista. Por otra parte, estas «comunicaciones» son las que encierran enseñanzas propiamente dichas; como las hay contradictorias, todas no pueden emanar igualmente de «espíritus superiores», de suerte que el tono serio que afectan, no es una garantía suficiente; ¿pero a qué otro criterio se puede recurrir? Cada grupo está naturalmente admirado ante las «comunicaciones» que obtiene, pero desconfía fácilmente de las que reciben los demás, sobre todo cuando se trata de grupos entre los cuales existe una cierta rivalidad; en efecto, cada uno de ellos tiene generalmente su médium titulado, y los médiums hacen prueba de unos increíbles celos al respecto de sus colegas, ya sea pretendiendo monopolizar ciertos «espíritus», o ya sea contestando la autenticidad de las «comunicaciones» de otro, y los grupos al completo les siguen en esta actitud; ¡y todos los medios donde se predica la «fraternidad universal» son así más o menos! Cuando hay contradicción en las enseñanzas, todavía es peor: todo lo que los unos atribuyen a «espíritus superiores», los otros ven en ello la obra de «espíritus inferiores», y recíprocamente, como en la querella entre reencarnacionistas y antireencarnacionistas; cada uno hace llamada al testimonio de sus «guías» o de sus controles, es decir, de los «espíritus» en quienes ha puesto su confianza, y que, bien entendido, se apresuran a confirmarle en la idea de su propia «superioridad» y de la «inferioridad» de sus contradictores. En estas condiciones, y cuando los espiritistas están tan lejos de entenderse sobre la cualidad de sus «espíritus», ¿cómo se podría dar fe a sus facultades de discernimiento? E, incluso si no se discute la proveniencia de sus enseñanzas, ¿pueden éstas tener mucho más valor que las opiniones de los vivos, puesto que estas opiniones, incluso erróneas, persisten después de la muerte, según parece, y no deben desvanecerse o corregirse sino con una extrema lentitud?
[...]
Al considerar las «comunicaciones» como acabamos de hacerlo, solo tenemos en vista las que se obtienen fuera de todo fraude, ya que las otras no tienen evidentemente ningún interés; la mayoría de los espiritistas son ciertamente de muy buena fe, y solo los médiums profesionales pueden ser sospechosos «a priori», incluso cuando han dado pruebas manifiestas de sus facultades. Por lo demás, las tendencias reales de los medios espiritistas se muestran mejor en los pequeños grupos privados que en las sesiones de los médiums de renombre; todavía es menester saber distinguir entre las tendencias generales y las que son propias a tal o a cual grupo. Estas últimas se traducen especialmente en la elección de los nombres bajo los cuales se presentan los «espíritus», sobre todo aquellos que son los «guías» titulados del grupo; se sabe que son generalmente nombres de personajes ilustres, lo que haría creer que éstos se manifiestan con mucha mayor frecuencia que los demás y que han adquirido una especie de ubicuidad (tendremos que hacer una precisión análoga sobre el tema de la reencarnación), pero también que las cualidades intelectuales que poseían sobre esta tierra han disminuido penosamente. En un grupo donde la religiosidad era la nota dominante, los «guías» eran Bossuet y Pío IX; en otros donde priva la literatura, son grandes escritores, entre los cuales el que se encuentra lo más frecuentemente es Víctor Hugo, sin duda porque también era espiritista. Solamente, hay esto de curioso: en Víctor Hugo, no importa quién o incluso no importa qué se expresaba en verso de una perfecta corrección, lo que concuerda con nuestra explicación; decimos no importa qué, ya que recibía a veces «comunicaciones» de entidades fantasiosas, como la «sombra del sepulcro» (y no hay más que dirigirse a sus obras para ver su proveniencia); pero, en el común de los espiritistas, Víctor Hugo ha olvidado hasta las reglas más elementales de la prosodia, si aquellos que le interrogan las ignoran ellos mismos.

Li anteriormente:
El Teosofismo: Historia de una pseudorreligión (1921)
O Esoterismo de Dante (1925)
El Reino de la Cantidad y los Signos de los Tiempos (1945)

1 de decembro de 2023

Limónov

Emmanuel Carrère
Limónov (2011)

Emmanuel Carrère, jornalista francês, conheceu Eduard Limónov na sua juventude, nos inícios dos anos 80, durante a passagem por Paris do dissidente soviético, o escritor vindo de Nova Iorque, com uma certa aura de rebeldia punk, o aventureiro divertido que a todos impressionava. Após a derrocada da União Soviética, assistiu incrédulo à passagem de Limónov pela Sérvia de Radovan Karadžić, e ao seu papel de fundador do Partido Nacional Bolchevique na Rússia, entre outras actividades que não conseguiu assimilar. Ainda assim, procurou Limónov em Moscovo, quando este já tinha 65 anos e temia pela sua segurança pessoal, para as entrevistas que deram origem a esta biografia romanceada de uma personagem que não conseguia entender, resultado tanto da admiração como da repulsa.
Limónov, escrito quase como um livro de aventuras, acompanha a vida do biografado, desde o seu nascimento em 1943, durante a guerra, à adolescência de delinquência em Karkov, onde, mais tarde, acabou por entrar no pequeno e provinciano círculo literário e boémio da cidade. A ambição por voos mais altos levou-o depois a Moscovo, onde permaneceu outros sete anos, antes de rumar a Nova Iorque, onde ficou entre 1975 e 1980. Nessa cidade, à qual tinha chegado cheio de sonhos, Limónov viveu uma vida dura, por vezes degradante, enquanto ia vertendo a sua experiência pessoal em manuscritos sucessivamente recusados, sem conseguir tornar-se no novo Henry Miller, nem alcançar a fama que julgava sua por direito. Quando a sorte mudou, o primeiro livro acabou por ser publicado no outro lado do Atlântico, no Outono de 1980, por um editor parisiense, e traduzido depois nos EUA pelas editoras que antes o tinham recusado. O relato segue o percurso de Limónov em Paris e, nos anos finais da URSS, o regresso a Moscovo e a Karkov, o reencontro com os pais, na casa de onde tinha partido quinze anos antes. A etapa seguinte passa-se em Vukovar e Sarajevo, durante a guerra, e de novo em Moscovo, para assistir ao fim da URSS, à ascensão de Iéltsin e às convulsões que marcaram o início dos anos 90, e outra vez na guerra dos Balcãs, na Krajina. Novamente em Moscovo, assiste-se ao início do partido, com Aleksandr Dugin, e ao posterior afastamento entre os dois; decorrem os dois desastrosos mandatos de Iéltsin e, na sua sucessão, Vladimir Putin chega ao Kremlin, e o partido é proibido. Como consequência dessa lei foi encarcerado durante alguns meses e, por fim, libertado antes de completar a pena, atendendo ao seu estatuto de escritor reconhecido.

Pienso que los primeros años de su estancia en París fueron los más felices de su vida. Había escapado por los pelos de la miseria y el anonimato. La publicación del Poeta ruso, seguida del Diario de un fracasado, le había convertido en una pequeña estrella en un medio que le gustaba: no tanto el de la edición y la prensa literaria seria como el de los jóvenes a la moda que adoraron al instante su facha, su francés patoso y sus comentarios tranquilamente provocativos. Bromas crueles sobre Solzhenitsyn, brindis por Stalin, era justamente lo que la gente quería oír en una época y un ambiente que, después de haber enterrado a la vez el fervor político y las boberías alternativas, sólo admiraba el cinismo, el desencanto y la frivolidad glacial. Incluso en la indumentaria, el estilo soviético gozaba del favor de los pospunks, que se pirraban por las gafas gruesas de concha al estilo Politburó, las insignias del Komsomol, las fotos de Brézhnev besando en los labios a Honecker, y Limónov se quedó atónito y luego se emocionó al ver en los pies de un joven estilista superenrollado unos botines de plástico con botones a presión que eran idénticos a los que llevaba su madre en Járkov a principios de los años cincuenta.
[...]
Yeltsin, tan amado al principio, es ahora tan detestado como su antecesor, y la elección presidencial parece tan adversa para él que piensa seriamente en anularla. Como le repite en la sauna el tonton macoute Koriakov: «Borís Nikoláievich, la democracia está bien, pero sin elecciones es más segura.»
La alternativa esta vez no es un histrión como Zhirinovski, sino directamente los comunistas. Cinco años antes, Yeltsin declaró fuera de la ley a este partido. Se creía definitivamente terminada la experiencia aterradora y grandiosa que se llevó a cabo con la especie humana en la Unión Soviética. Pues bien, al cabo de cinco breves años de experiencia democrática, todos los sondeos coinciden y hay que rendirse a esta perturbadora evidencia: la gente está tan harta de la democracia, del mercado y de la injusticia consiguiente que se dispone a votar en masa al partido comunista.
Su líder, Ziugánov, no propone reabrir el gulag o reconstruir el Muro de Berlín. Bajo la etiqueta de «comunista» , este político prudente y sin brillo vende menos la dictadura del proletariado que la lucha contra la corrupción, un poco de orgullo nacional y la misión espiritual de la Rusia ortodoxa frente al nuevo orden mundial. Dice que Jesús fue el primer comunista. Promete que si le votan los ricos serán menos ricos, los pobres menos pobres, y como mínimo todo el mundo debería estar de acuerdo en la segunda parte de este programa: ¿quién es realmente partidario de que los viejos mueran de hambre y de frío?
Sin embargo, los oligarcas se asustan ante la idea de que quieran hacerles menos ricos, sobre todo ahora que acaban de inventar y de endilgar a Yeltsin un chanchullo maravilloso para enriquecerse aún más: los «préstamos a cambio de acciones». La idea es simple: sus bancos prestan dinero al Estado, cuyas arcas están vacías, los préstamos están garantizados por los buques insignia, todavía no privatizados, de la economía rusa —el gas, el petróleo, las auténticas riquezas del país—, y si al cabo de un año el Estado no ha pagado, pasarán por la caja y se cobrarán ellos mismos. El vencimiento cae después de las elecciones presidenciales y en consecuencia es vital para los oligarcas que Yeltsin sea todavía presidente en ese momento, y no un Ziugánov que para mostrar su virtud amenaza con denunciar el trapicheo.

2 de novembro de 2023

El Teosofismo: Historia de una pseudorreligión


René Guénon
El Teosofismo: Historia de una pseudorreligión (1921)

No Prólogo, o autor sublinha a diferença entre teosofia, uma designação genérica que abarcava um conjunto variado de autores que se tinham dedicado a temas esotéricos inseridos numa tradição cristã ocidental, e o teosofismo, um neologismo necessário para descrever a doutrina – um termo aqui indevidamente aplicado – da Sociedade Teosófica, que na época alcançava uma projecção notável. René Guénon desmonta depois toda a Sociedade Teosófica, desde o seu início envolvida em escândalos que a desacreditavam, até ao seu corpo religioso-filosófico, por vezes plagiado, num amontoado confuso de ideias avulsas, frequentemente contraditórias. Não existia qualquer ligação à tradição e, longe de ser a "origem comum" de todas as doutrinas, como pretendia, tudo isto se agrupava à volta de duas ou três ideias, aparecidas na modernidade, de natureza ocidental – evolução, materialidade, humanismo – revestidas de uma aparência oriental.
A edição original de O Teosofismo: História de uma Pseudo-Religião é de 1921, mas René Guénon actualizou posteriormente algumas considerações e acrescentou notas de rodapé sobre factos entretanto acontecidos, bem como uma secção dedicada à recensão de livros e revistas, mais ou menos relacionados com o tema da obra, publicados entre 1929 e 1948.

De la amalgama de todos esos elementos heterogéneos que acabamos de indicar salieron las grandes obras de Mme Blavatsky, Isis Dévoilée y Doctrine Secrète; y estas obras fueron lo que debían ser normalmente en semejantes condiciones: compilaciones indigestas y sin orden, verdaderos caos donde algunos documentos interesantes están ahogados en medio de un cúmulo de aserciones sin ningún valor; ciertamente, sería perder el tiempo buscar ahí dentro lo que puede ser encontrar mucho más fácilmente en otras partes. Por lo demás, abundan los errores y las contradicciones, que son tales que las opiniones más opuestas podrían encontrar ahí su satisfacción: por ejemplo, se dice sucesivamente que hay un Dios, después que no lo hay; que el «Nirvana» es una aniquilación, y después que es todo lo contrario; que la metempsicosis es un hecho, después que es una ficción; que el vegetarianismo es indispensable para el «desarrollo psíquico», después que es simplemente útil, y así con todo lo demás. Pero todo esto se comprende sin mucho esfuerzo, ya que, además de que las ideas de Mme Blavatsky han variado ciertamente en una medida muy amplia, escribía con una rapidez prodigiosa, sin referirse nunca a las fuentes, ni, probablemente, a lo que ella misma había escrito ya. Sin embargo, es esta obra tan defectuosa la que ha formado siempre el fondo de la enseñanza teosofista, y a pesar de todo lo que ha podido venir a agregarse o a superponerse a ella después, e incluso de las correcciones que se le han podido hacer sufrir bajo la cubierta de la «interpretación», goza siempre, en la Sociedad, de una autoridad incontestada, y, si no contiene la doctrina toda entera, contiene al menos los principios fundamentales, si es que se puede hablar de doctrina y de principios cuando se está en presencia de un conjunto tan incoherente.

Cuando hablamos aquí de autoridad incontestada, eso se aplica sobre todo a la Doctrine Secrète, pues no parece ser lo mismo para Isis Dévoilée. Así, M. Leadbeater, al establecer una suerte de «plan de estudios» para el teosofismo, recomienda vivamente la primera, a la que llama «El mejor libro de todos», pero ni siquiera menciona a la segunda. Vamos a indicar aquí una de las razones principales de esta reserva, que se explica fácilmente, ya que es sobre todo la comparación de estas dos obras lo que hace resaltar las variaciones y las contradicciones que señalamos hace un momento.

[...]

En efecto, la verdad es que no ha habido nunca ningún «budismo esotérico» auténtico; si se quiere encontrar esoterismo, no es ahí donde es menester dirigirse, ya que el budismo fue esencialmente, en sus orígenes, una doctrina popular que servía de apoyo teórico a un movimiento social de tendencia igualitaria. En la India, no fue más que una simple herejía, que ningún lazo real pudo vincular nunca a la tradición brahmánica, con la que, al contrario, había roto abiertamente, no sólo desde el punto de vista social, al rechazar la institución de las castas, sino también desde el punto de vista puramente doctrinal, al negar la autoridad del «Veda». Por lo demás, el budismo representaba algo tan contrario al espíritu hindú que, desde hace mucho tiempo, ha desaparecido completamente de la región donde había tenido nacimiento; tan sólo en Ceylán y en Birmania existe todavía en estado casi puro, y, en todos los demás países donde se extendió, se ha modificado hasta el punto de devenir completamente irreconocible. Generalmente, en Europa se tiene una tendencia a exagerar la importancia del budismo, que, con mucho, es ciertamente la menos interesante de todas las doctrinas orientales, pero que, precisamente porque constituye para el Oriente una desviación y una anomalía, puede parecer más accesible a la mentalidad occidental y menos alejada de las formas de pensamiento a las que está acostumbrada. Esa es probablemente la razón principal de la predilección de que ha sido objeto siempre el estudio del budismo por parte de la gran mayoría de los orientalistas, aunque, en algunos de entre ellos, se hayan mezclado intenciones de otro orden, que consisten en intentar hacer de él el instrumento de un anticristianismo, al que, evidentemente, en sí mismo, es completamente extraño.

Li anteriormente:
O Esoterismo de Dante (1925)
El Reino de la Cantidad y los Signos de los Tiempos (1945)
La Crisis del Mundo Moderno (1927)

27 de setembro de 2023

Introdução à Noomaquia

 

Aleksandr Dugin
Introdução à Noomaquia (2018)

As dez "lições" que compõem a Introdução à Noomaquia são o resultado de outras tantas palestras, dadas por Aleksandr Dugin em Belgrado, em Março de 2018, na apresentação do seu vasto projecto editorial, ainda em curso, Noomaquia. Sendo um livro de filosofia pura, há alguns conceitos-base que é necessário dominar, explicados logo no início, dos quais se destacam: o Nous, que designa o pensamento, que se expressa através do Logos, uma identidade cultural colectiva. Já Nietzsche tinha abordado a questão do Logos, a forma de entender o mundo, atribuindo-lhe um carácter apolíneo ou dionisíaco, aos quais Dugin acrescenta agora o cibelino, que vem complementar e fechar o edifício teórico dos conceitos anteriores. Todas as culturas, ou civilizações, possuem estes três Logoi, em proporções diferentes, num equilíbrio designado por momento noomáquico, que lhes transmite a sua peculiaridade; este equilíbrio não é estático e, com o tempo, o Logos predominante pode ser modificado, por causas internas ou externas. A Noomaquia é essa guerra do Nous, do pensamento, da visão do mundo, sempre latente como realidade dinâmica.
A Noologia, o estudo do Nous, é aqui apresentada como a base filosófica e metafísica da multipolaridade, no reconhecimento da pluralidade das culturas, descartando desde logo caminhos de desenvolvimento universal e normativos do pensamento. O respeito pelas diferentes culturas no tempo e espaço, sem tentar impor valores falsamente universais, nem enganosas escalas de avaliação, torna a Noologia num instrumento ao serviço da Quarta Teoria Política, também da autoria de Dugin, que está a construir um dos mais importantes legados filosóficos dos pensadores da sua geração.
Apesar do que o título possa sugerir, não é o livro de entrada no tema – esse intitula-se «Em Busca do Logos Negro» – e, neste momento, Aleksandr Dugin tem já uma longa série de obras a ele dedicadas, sobretudo na análise do Logos particular dos povos e respectivas culturas. A Introdução à Noomaquia debruça-se essencialmente sobre as linhas de força da cultura indo-europeia, desde a pré-História ao séc. XXI, sendo um livro altamente recomendável para quem procura as chaves que ajudam a entender os tempos presentes, bem como a razão de ser dos nossos esquemas de pensamento.

A tradição da Grande Mãe, de origem balcânica e anatólia, continuou assim a viver na cultura agrícola das sociedades indo-europeias sedentárias. Primeiro houve uma expansão da civilização matriarcal pré-indo-europeia por toda a Europa. Depois houve a onda das invasões indo-europeias, que criaram sociedades europeias mistas e sedentárias, sob hegemonia indo-europeia. E a realidade é que essa camada campesina pré-indo-europeia matriarcal sempre constituiu parte considerável da população da Europa. Isso explica por que nos nossos contos populares, nos nossos mitos, nas nossas tradições, existem tantos elementos e figuras matriarcais, mais ou menos ocultos. No nível da casta dos trabalhadores, na terceira função das sociedades indo-europeias, foram integradas ao longo do tempo muitas histórias sobre cobras, rainhas, deusas, espíritos, demónios e outras criaturas mitológicas femininas de vários tipos — por exemplo, pense-se na Rusalka eslava. Isto aconteceu porque, quando as tribos indo-europeias se estabeleceram, assimilaram esse horizonte existencial na sua estrutura.
É como um “pacto histórico” entre vencedores e perdedores. Oficialmente, a civilização da Grande Mãe perdeu essa batalha titânica contra os deuses olímpicos, e essa vitória fundou todo o nosso sistema ético e toda a sequência da história europeia, que é a história de como os turanianos conquistaram a “Velha Europa”, a civilização paleo-europeia. No entanto, o horizonte existencial conquistado viveu e ainda vive em nossa sociedade, na terceira função. Poderíamos até escrever uma história da casta europeia de cultivo completamente paralela à “história oficial”, isso é a história das obras e empreendimentos das duas primeiras castas (reis, heróis, santos, aristocratas, etc.), como se estivéssemos a lidar com uma civilização específica incorporada na “civilização oficial”. Não sabemos quase nada sobre esse mundo, já que sempre celebramos apenas os feitos das castas superiores. Só nos séculos XVIII e XIX se passou a compilar o folclore desse mundo campesino, num renascimento da tradição nacional que reagia contra o Medievo e o feudalismo. E aí descobrimos que havia uma imensa quantidade de narrativas e elementos sobreviventes da tradição europeia arcaica, temas que no Medievo estava totalmente fora da esfera de interesses das castas eruditas. [...]

Podemos definir o universo agrícola e camponês como o ponto de encontro de dois horizontes existenciais, dois Dasein, ambos pertencentes à nossa civilização europeia: o horizonte do Logos de Apolo, representado pela ideologia trifuncional oficial, e o horizonte do Logos de Cibele, uma ideologia paralela, que conota a tradição de matriarcal e está presente na parte escura, no subconsciente da sociedade agrícola e sedentária. A nossa sociedade é baseada neste momento de Noomaquia. Mas a Noomaquia é um conflito contínuo; por outras palavras, ele continua no presente. O Logos de Cibele continua a existir dentro da nossa civilização. Não podemos acreditar na vitória de um Logos de uma vez por todas. Se o Logos de Apolo enfraquece, significa que outro Logos está a tornar-se mais forte. Assim, se o patriarcado começar a dissolver-se — é o caso da modernidade ocidental e, em particular, da pós-modernidade — outra tendência contrária começará a aparecer, a tornar-se cada vez mais explícita.

15 de setembro de 2023

Out Of Africa


Isak Dinesen [Karen Blixen]
Out Of Africa (1937)

Karen Blixen, que utilizava os pseudónimos Isak Dinesen nas edições em língua inglesa, e Tania Blixen nas de língua alemã, fez de Out Of Africa, mais que um livro de memórias, um registo da mudança dos tempos. Há uma certa nostalgia por um passado que se esfuma um pouco a cada dia que passa, desde as alterações na paisagem natural, às perdas e mortes de pessoas próximas, até ao abandono final da propriedade onde tinha planeado ficar o resto da vida. Da sua herdade, a plantação de café junto ao monte Ngongo, próximo de Nairobi, no Quénia, assiste-se ao ocaso de uma Inglaterra colonial no limiar dos novos tempos, onde o rugido dos leões à noite ainda convive com a chegada dos tractores agrícolas, sinal de uma "civilização" onde deixa de haver lugar para os pioneiros e para os aventureiros. E onde, segundo conta, os nativos, pelo convívio forçado com os colonos de diferentes origens, são já mais cosmopolitas do que os próprios agrários, dedicados ao quotidiano da sua vida sedentária.

When we had all our kilns lighted we sat down and talked of life. I learned much about Knudsen’s past life, and the strange adventures that had fallen to him wherever he had wandered. You had, in these conversations, to talk of Old Knudsen himself, the one righteous man,—or you would sink into that black pessimism against which he was warning you. He had experienced many things: shipwrecks, plague, fishes of unknown colouring, drinking-spouts, water-spouts, three contemporaneous suns in the sky, false friends, black villainy, short successes, and showers of gold that instantly dried up again. One strong feeling ran through his Odyssey: the abomination of the law, and all its works, and all its doings. He was a born rebel, he saw a comrade in every outlaw. A heroic deed meant to him in itself an act of defiance against the law. He liked to talk of kings and royal families, jugglers, dwarfs and lunatics, for them he took to be outside the law,—and also of any crime, revolution, trick, and prank, that flew in the face of the law. But for the good citizen he had a deep contempt, and law-abidingness in any man was to him the sign of a slavish mind. He did not even respect, or believe in, the law of gravitation, which I learnt while we were felling trees together: he saw no reason why it should not be—by unprejudiced, enterprising people—changed into the exact reverse.
[...]
In the Reserve I have sometimes come upon the Iguana, the big lizards, as they were sunning themselves upon a flat stone in a riverbed. They are not pretty in shape, but nothing can be imagined more beautiful than their colouring. They shine like a heap of precious stones or like a pane cut out of an old church window. When, as you approach, they swish away, there is a flash of azure, green and purple over the stones, the colour seems to be standing behind them in the air, like a comet’s luminous tail.
Once I shot an Iguana. I thought that I should be able to make some pretty things from his skin. A strange thing happened then, that I have never afterwards forgotten. As I went up to him, where he was lying dead upon his stone, and actually while I was walking the few steps, he faded and grew pale, all colour died out of him as in one long sigh, and by the time that I touched him he was grey and dull like a lump of concrete. It was the live impetuous blood pulsating within the animal, which had radiated out all that glow and splendour. Now that the flame was put out, and the soul had flown, the Iguana was as dead as a sandbag.