25 de xuño de 2014

Um Gosto e Seis Vinténs


W. Somerset Maugham
Um Gosto e Seis Vinténs (1919)

O narrador, um jovem com pretensões a escritor que se move em círculos artístico-literários, dá-nos a conhecer a história de Charles Strickland, um corretor londrino já entrado nos quarentas que, inopinadamente, decide abandonar a mulher e os filhos adolescentes para se mudar para Paris, em busca da sua realização como pintor, apesar de nada fazer supor o seu interesse pela arte. O narrador segue no seu encalço, a pedido da Sra. Strickland, para o fazer mudar de ideias; do seu contacto com Strickland, que mal conhecera enquanto frequentara a sua casa de Londres, e das suas peripécias em Paris e, posteriormente, através das descrições de terceiros, da sua passagem por Marselha e, finalmente, pela sua vida no Taiti, constrói-se o argumento de Um Gosto e Seis Vinténs (The Moon and Sixpence). A descrição de Strickland e da sua pintura foi sem dúvida inspirada na personalidade de Paul Gaugin; mas, curiosamente, na relação de Dirk Stroeve e sua mulher Blanche - duas personagens secundárias que emolduram o episódio parisiense - voltamos a encontrar o tipo de ligação doentia e humilhante que serviu de tema a Servidão Humana.

– Stroeve – disse eu.
Ele teve um ligeiro sobressalto, e então sorriu, mas o sorriso era triste.
– Por que está andando dessa maneira? – perguntei jovialmente.
– Faz muito tempo que não vinha ao Louvre. Resolvi vir e dar uma olhada para ver se havia algo de novo.
– Mas você falou que devia terminar um quadro esta semana.
– Strickland está pintando no meu estúdio.
– E daí?
– Fui eu que sugeri isso. Ainda não está forte o suficiente para voltar para o lugar dele. Achei que nós dois podíamos pintar juntos. Tem vários artistas no Quartier que dividem o estúdio. Achei que seria divertido. Sempre achei que seria agradável ter alguém com quem conversar quando se está cansado de trabalhar.
Disse isso lentamente, destacando frase por frase com um silêncio estranho, e mantinha os olhos tolos fixos nos meus. Estavam cheios de lágrimas.
– Acho que não entendi – disse eu.
– Strickland não sabe trabalhar com mais ninguém no estúdio.
– Ora, porra, é o seu estúdio. Isso é problema dele.
Ele me olhou tristemente. Seus lábios tremiam.
– O que aconteceu? – perguntei asperamente.
Ele hesitou e ficou vermelho. Olhou, infeliz, para um dos quadros da parede.
– Não me deixou continuar a pintar. Mandou-me sair.
– Mas por que você não o mandou pró inferno?
– Ele me empurrou pra fora. Eu não podia lutar com ele. Jogou meu chapéu atrás de mim e fechou a porta.
Apesar de furioso com Strickland e indignado comigo mesmo, eu tinha vontade de rir, pois Dirk Stroeve estava uma figura muito ridícula.
– Mas o que disse sua mulher?
– Ela saiu para fazer compras.
– Ele vai deixá-la entrar?
– Não sei.
Olhei para Stroeve, perplexo. Ele estava parado à minha frente como um colegial repreendido pelo professor.
– Quer que eu bote Strickland pra fora pra você? – perguntei.
Ele deu um pulo, e seu rosto brilhante ficou muito vermelho.
– Não. É melhor você não fazer nada.
Bateu a cabeça e saiu dali. Estava claro que por alguma razão ele não queria discutir o assunto. Não entendi.

Li anteriormente:
Servidão Humana (1915)

19 de xuño de 2014

O Homem que Vendeu a Lua


Robert A. Heinlein
O Homem que Vendeu a Lua (1951)

Escrito em 1949 e publicado dois anos depois, The Man Who Sold the Moon, que faz também parte do ciclo Future History, passa-se nos anos setenta e narra a história de Delos D. Harriman, um rico e inovador homem de negócios que investe tudo quanto tem, arrastando consigo alguns sócios renitentes, no sonho de fazer a primeira viagem à Lua.
Espelho da sua época, este livro transpira a confiança inabalável dos estado-unidenses na superioridade da sua cultura, na inevitabilidade de um futuro moldado à sua vontade, na certeza absoluta de quem sabe que está do lado certo da História. A vontade ao serviço de uma ideia, neste livro, fez-me lembrar o Da Terra à Lua, de Jules Verne, que li há 35 anos. Mas, em vez da motivação técnica e científica novecentista que movia os associados do Gun Club, aqui a ideia é mesmo fazer dinheiro, muito dinheiro.
De resto é o mesmo afã na resolução dos problemas técnicos, o mesmo espírito de pioneirismo de alguém que pretende fazer História. Curiosamente, sendo este um livro de FC, a narrativa centra-se no antes e no depois: a viagem à Lua propriamente dita, e o seu regresso, dão-se num par de curtos parágrafos. O ponto de interesse são todos os imbróglios legais, direitos, concessões, contratos, fontes de financiamento, impasses, oportunidades, manipulações e golpadas, descritos num ritmo vertiginoso e arrebatador.

Kamens apareceu, mas apenas quando lhe pareceu conveniente. Uns minutos mais tarde, Harriman explicava-lhe a sua ideia de reclamar direitos sobre a Lua, antes de lá pôr os pés.
— Para além dessas empresas testa-de-ferro — prosseguiu —, precisamos de uma agência que possa receber contribuições sem ter de admitir ter qualquer interesse financeiro da parte do contribuidor. Uma coisa assim como a National Geographic Society.
Kamens abanou a cabeça.
— Não se pode comprar a National Geographic Society.
— Raios partam, mas quem disse que a íamos comprar? Montamos uma nossa.
— Era isso que eu ia dizer.
— Ainda bem. Da forma como vejo isto, precisamos de pelo menos uma empresa isenta de impostos, não-lucrativa, dirigida pelas pessoas certas; e nós manteremos o controlo dos votos, evidentemente. Provavelmente, precisaremos de mais do que uma; montá-las-emos à medida que formos precisando. E precisaremos de ter pelo menos uma empresa normal, não isenta de impostos... Mas que não mostrará lucros até estarmos prontos para isso. A ideia é deixar que a empresa não-lucrativa tenha todo o prestígio e toda a publicidade... enquanto a outra recebe todos os lucros, se e quando houver. Fazemos girar o património entre empresas, sempre por razões perfeitamente válidas, de forma a que as empresas não-lucrativas paguem as despesas enquanto avançamos. Agora que penso nisso, será melhor termos pelo menos duas empresas normais, para que possamos deixar uma delas ir à falência, se isso for necessário para sacudir a água do capote. Isto é o esboço em geral. Deita mãos à obra e trata de que seja tudo legal, se não te importas.
Kamens respondeu:
— Sabes, Delos... Seria tudo muito mais honesto se simplesmente o fizesses de caçadeira em punho.
— Um advogado a falar-me de honestidade! Deixa lá, Saul... Não vou mesmo ludibriar ninguém, na verdade...
— Hum...
— ...E vou apenas fazer uma viagem à Lua. Será isso que toda a gente irá pagar; e será isso que terão. Agora trata de tudo para que seja tudo legal, vá, sê um bom rapaz.
— Faz-me lembrar qualquer coisa que o advogado do Vanderbilt mais velho disse ao velhote em circunstâncias semelhantes: «Está tão bonito tal como está! Porquê estragar tudo tornando-o legal?». Mas tudo bem, irmão pirata, eu trato de armar a tua ratoeira. Mais alguma coisa?

Li anteriormente:
Revolta em 2100 (1953)
Os Filhos de Matusalém (1958)
O Dia Depois de Amanhã (1949)

16 de xuño de 2014

La Aventura del Tocador de Señoras


Eduardo Mendoza
La Aventura del Tocador de Señoras (2001)

La Aventura del Tocador de Señoras (A Aventura do Cabeleireiro de Senhoras) é a terceira novela protagonizada pelo detective anónimo, seguindo-se a O Mistério da Cripta Assombrada e O Labirinto das Azeitonas. Passada em meados dos anos 90 (e aproveitando, de passagem, para fazer uma crítica mordaz ao aparente desenvolvimento material de Barcelona), muitos anos depois das duas primeiras histórias, reencontramos o nosso herói no momento em que é expulso do manicómio, dado como curado às pressas, tal como todos os outros residentes, uma vez que o edifício vai ser demolido para dar lugar a um centro comercial e blocos para habitação. Depois de encontrar um emprego como cabeleireiro, inicia-se a sua nova aventura.
Ao longo da história reencontramos os velhos conhecidos doutor Sugrañes, Cándida e o comissário Flores, a quem o tempo proporcionou grandes mudanças, ao contrário do herói, a quem não notamos grandes alterações, reconhecendo-lhe alguns dos habituais tiques, e outras novas preferências. Com uma linha de pensamento inteligente, um discurso de pendor erudito, o herói faz-nos pensar muitas vezes onde se traçará a linha que divide a sanidade da insanidade. Como ele afirma em determinado ponto «Quem não teve, como eu, o privilégio de passar uma boa parte da sua vida num manicómio, talvez ignore esta grande verdade: todos os que ali estão encerrados apercebem-se claramente da loucura dos outros, mas nenhum da própria.»

Cañuto era un hombre de mediana edad, tirando a viejo. En los años 70 (de nuestra era) había robado varios bancos. No bancos de sentarse, sino oficinas bancarias. Operaba solo, con una media en la cabeza y la otra en el bolsillo (por si acaso), una pistola de juguete y una bomba de verdad. Él decía que era una bomba atómica. A tanto no llegaba, pero de todas formas le daban el dinero sin rechistar. Cuando el robo había sido perpetrado, Cañuto se quitaba la media, pronunciaba unas palabras adecuadas a la ocasión y se iba caminando por la acera. Lo curioso es que tardaron mucho en capturarlo. En su modesta vivienda encontraron la totalidad del dinero robado. No se había gastado ni una peseta y vivía de la caridad pública. Cuando finalmente lo llevaron a juicio, la galopante inflación de aquellos años convulsos había reducido el monto de sus fechorías a una cifra irrisoria. El abogado defensor de Cañuto mostró al tribunal una entrada de cine cuyo precio superaba lo que en tiempos de Cañuto había sido una fortuna. Lo habrían absuelto y puesto de nuevo en la calle si Cañuto no se hubiera empeñado en decir que sus atracos formaban parte de un plan mundial para sembrar el caos, y del cual él, Cañuto, era sólo la punta del iceberg, a la que, por otra parte, se empeñaba en llamar la punta del nabo. Por no saber qué pena imponerle, lo enviaron al manicomio, donde gozaba de justa fama de hombre metódico, riguroso, muy versado en cuestiones bursátiles, y donde yo lo conocí y traté.

Li anteriormente:
El Laberinto de las Aceitunas (1982)
El Misterio de la Cripta Embrujada (1979)
Tres Vidas de Santos (2009)