30 de setembro de 2014

Amor sem Limites

Robert A. Heinlein
Amor sem Limites (1973)

Publicada em Portugal em 1977 na Colecção Argonauta sob o enganador título A História do Futuro, dividida em três volumes, esta é, de longe, a obra que mais anos esperei para ler. Comprei em 1980 ou 81 os volumes 2 e 3, e vim a descobrir que o volume 1 estava completamente esgotado; durante anos continuei a ver os dois últimos volumes nos escaparates, mas a Livros do Brasil nunca se dignou reeditar o primeiro. Consegui por fim encontrá-la, numa versão diferente.
Amor sem Limites é a tradução brasileira de Time Enough for Love, e um dos títulos centrais da série Future History. Passada no futuro distante do ano 4272, reencontramos aqui a personagem de Lazarus Long, então o mais velho ser humano vivo, com 2360 anos! A humanidade tornou-se praticamente imortal, através de uma técnica de rejuvenescimento periódico, e a morte só acontece por acidente ou por suicídio. Lazarus Long, cansado da vida, decidiu não rejuvenescer e desapareceu na cidade de Nova Roma, em Secundus, para morrer tranquilamente. Foi porém resgatado in extremis a mando de Ira Weatheral, um seu descendente, e levado para uma clínica para lhe ser aplicado o rejuvenescimento. Ira Weatheral está interessado em registar a experiência e o conhecimento do Sénior, e convence-o a fazer com ele um trato semelhante ao de Xerazade, das Mil e uma Noites: Lazarus Long não se suicidará enquanto ele estiver disposto a escutar as suas histórias.
Amor sem Limites é assim dividido em várias partes, intituladas segundo uma nomenclatura própria de uma obra musical, onde o presente narrativo se intercala com as memórias de Lazarus Long. Determinadas partes, retiradas do texto principal, quase poderiam funcionar como contos ou novelas independentes. Temos assim a divertida "História do Homem que era Preguiçoso demais para Fracassar" (de onde retirei o excerto abaixo), "A História dos Gémeos que não eram Gémeos" sobre um caso de manipulação genética — um tema recorrente ao longo de todo o livro —, ou "A História da Filha Adoptiva", sobre a colonização e a vida rústica num planeta recém-descoberto. No quarto final desta extensa obra, Lazarus Long faz uma viagem no tempo e regressa à sua Kansas City natal, na época em que os Estados Unidos entram na Grande Guerra, e trava conhecimento com a família onde nasceu — e consigo próprio, como um rapazinho de cinco anos.

Depois a guerra acabou.
Dave olhou em volta e avaliou a situação. Havia centenas de capitães-de-mar-e-guerra que, como ele, tinham sido capitães-de-corveta apenas três anos antes. Já que a paz era "para sempre", como os políticos sempre insistem, poucos seriam algum dia promovidos. Dave pôde ver que não seria promovido; não tinha nem a antigüidade, padrão tradicionalmente aprovado nas forças armadas, nem as ligações apropriadas, políticas e sociais.
O que ele tinha eram quase vinte anos de serviço, o mínimo para se reformar a meio soldo. Ou podia permanecer até ser forçado a se reformar por não ser escolhido para almirante.
Não havia necessidade de decidir imediatamente; a reforma aos vinte anos era para daí a um ou dois anos.
Mas ele se reformou quase imediatamente, por motivos de saúde. O diagnóstico foi "psicose situacional", o que significava que ele ficava doido quando trabalhava.
Ira, não sei como avaliar isto. Dave me impressionou como um dos poucos homens completamente sãos que já conheci. Mas eu não estava lá quando ele se reformou, e a "psicose situacional" era a segunda causa mais comum para reforma por motivos de saúde dos oficiais de marinha naquele tempo; mas como podiam eles saber? Ficar maluco não era nenhum empecilho para um oficial de marinha, não mais do que o era para um escritor, um professor, um pregador ou várias outras ocupações respeitáveis. Desde que David chegasse na hora e assinasse a documentação que algum escriturário preparava, e nunca desse respostas malcriadas aos seus superiores, isso nunca seria notado. Lembro-me de um oficial da marinha que tinha uma coleção espantosa de ligas de senhoras; ele costumava trancar-se em sua sala e examiná-las; e de outro que fazia exatamente a mesma coisa com uma coleção de rótulos de papel usados para franquia postal. Qual deles era maluco? Ambos? Ou nenhum dos dois?
Outro aspecto da reforma de Dave exige conhecimento das leis da época. Reformar-se com vinte anos de serviço resultava em meio soldo, sujeito ao imposto de renda, que era pesado. Reformar-se por incapacidade física resultava em três quartos de soldo, ficando-se isento do imposto de renda.
Não sei, simplesmente não sei. Mas toda a questão se enquadra no talento de Dave para obter resultados máximos com o mínimo de esforço. Vamos aceitar que ele estivesse maluco, mas estaria ele completamente maluco?

Li anteriormente:
The Moon Is A Harsh Mistress (1966)
Stranger in a Strange Land (1961)
O Homem que Vendeu a Lua (1951)