27 de decembro de 2015

O Homem Ilustrado

Ray Bradbury
O Homem Ilustrado (1951)

Os primeiros livros que li de Ray Bradbury, há mais de 30 anos, foram O País de Outubro e Muito Depois da Meia-Noite, compostos por pequenos contos outonais cheios de imagens poéticas, que me impressionaram positivamente. Também pela mesma época vi o filme «The Illustrated Man», de Jack Smight, adaptado da obra em epígrafe. Regressei ao universo de Ray Bradbury há três anos, com a novela clássica Fahrenheit 451; agora chegou a vez de O Homem Ilustrado.
É novamente uma colectânea de contos, uma arte que Ray Bradbury domina magistralmente, e inscreve-se na linha dos dois livros primeiramente mencionados. Longe do cientificismo e da apologia tecnológica da maior parte dos autores de FC seus contemporâneos, os contos de Ray Bradbury tingem-se de sombras e desencanto, numa análise à fria ameaça do desenvolvimento tecnológico que se depara ao ser humano. Contudo, O Homem Ilustrado pareceu-me uma FC mais harder do que aquilo que eu recordava e esperava, talvez por ser uma das suas obras iniciais.
Fica uma vez mais um reparo à tradução, que, sem grande relutância, elimina frases inteiras e aglutina outras, possivelmente para conseguir encaixar a obra no número pré-determinado de páginas que constituía o formato da colecção. Quanto ao excerto abaixo apresentado, é o início do conto A Cidade, uma terrível história de vingança.

A cidade esperava há mais de vinte mil anos.
O planeta continuava a sua rota no espaço, as flores dos campos cresciam e finavam-se, mas a cidade esperava. As ribeiras dos planetas encheram-se de água, tinham definhado, não eram mais do que poeira. A cidade esperava sempre. Os ventos que tinham sido jovens e violentos, tinham-se tornado velhos e serenos, e as nuvens, que tinham corrido sem peias no céu, flutuavam, agora, com uma brancura preguiçosa. E a cidade esperava.
Com as suas janelas, as paredes sonolentas, as torres e as torrinhas sem pendões, as suas ruas de asfalto virgem, os puxadores das portas sem a menor impressão digital, os passeios sem um papel. A cidade esperava, enquanto o planeta continuava a marcha no espaço, seguindo a sua órbita em volta de um sol azul-branco, e as estações passavam do gelo ao fogo para voltar ao gelo, depois aos campos verdes e aos prados amarelos do Estio.
Foi numa tarde de Verão, a meio do ano vinte mil, que a cidade deixou de esperar.
No céu apareceu uma nave.

Li anteriormente:
Fahrenheit 451 (1953)
Muito Depois da Meia-Noite (1976)
O País de Outubro (1955/1976)