28 de febreiro de 2016

Textos Nacional-Sindicalistas


Francisco Rolão Preto
Textos Nacional-Sindicalistas (2014)

Rolão Preto é um nome injustamente esquecido, do Portugal das décadas de 20 e 30 do século passado. Oriundo das fileiras do Integralismo Lusitano, ideólogo principal do 28 de Maio, e impulsionador do Movimento Nacional-Sindicalista, a sua visão revolucionária do Estado Novo acabou por entrar em choque com a personalidade moderada de Oliveira Salazar. Este conflito levou Rolão Preto a Espanha, onde ajudou José António Primo de Rivera a estabelecer a Falange Espanhola, fornecendo-lhe boa parte do seu ideário político e imagético. Não é por isso uma surpresa que estes «Textos Nacional-Sindicalistas» sejam compilados e editados pelas Ediciones Fides, de Tarragona.
O grosso do livro é a transcrição de uma série de artigos publicados na revista Acción Española entre 1933 e 1934, onde Rolão Preto começa por uma avaliação global da Primeira República (uma avaliação extremamente negativa, como é natural – ao contrário do que é correntemente veiculado no actual regime, onde se pretende fazer um absurdo branqueamento daquele período). Depois enuncia Os doze princípios da produção, uma síntese do programa político nacional-sindicalista, explicados pormenorizadamente ponto por ponto. Seguem-se dois artigos de 1938, publicados na revista FE. Doctrina del Estado Nacional-Sindicalista, e, por último, uma polémica com Santa Cruz, artigo e contra-artigo, mantida no jornal A Época em 1922, onde Rolão Preto faz a defesa do recém-triunfante movimento fascista italiano por oposição ao cepticismo do seu opositor, um homem do clero, ligado ao centro liberal e católico, que considerava Mussolini um fenómeno passageiro.
Uma das facetas mais interessantes do nacional-sindicalismo, na minha opinião, foi não ter desenvolvido um conceito de nacionalismo anti-castelhano/espanhol, mas, pelo contrário, ter afirmado que a aliança dos Estados peninsulares é o primeiro pilar que pode suportar um novo renascimento comum. Quem se der ao trabalho de ler o actual programa eleitoral da FE de las JONS verá que é proposta uma frente ibérica – política, económica e militar – dinamizadora de um grande bloco mundial (unindo a Hispano-América e outros países historicamente ligados a Espanha – e os PALOPs logicamente) que possa fazer frente ao imperialismo capitalista anglo-saxónico.
O excerto abaixo citado pertence a um dos artigos publicados na revista da FE, em 1938. «Lisboa, não sejas francesa» – já dizia a velha canção...

Portugal está cambiando su personalidad característica, nítida, por un modo de ser que responde a un compromiso entre su verdadero temperamento y su interpretación del modo de ser francés; día a día se siente más apartado de España, su hermana de origen.
La idiosincrasia del pueblo español rechaza, en gran parte, a aquellos portugueses que podrían sentirse en contacto con él. Los españoles son, por naturaleza, definidos, terminantes, sin asombro. Cuando odian, lo mismo que cuando aman, lo hacen por completo, perdiendo hasta la noción de sí mismos.
El término medio, no tiene posibilidad de éxito en tierra española. El término medio, es francés. Educados a la francesa, no tenemos ninguna curiosidad por la España que no entendemos, que hemos dejado de entender y que, por tanto, totalmente ignoramos.
Y han contribuido a reforzar esta actitud las determinantes históricas de una política de aislamiento portugués respecto a la península madre. Con las costas vueltas a España, miramos hacia otros horizontes, en busca de satisfacciones espirituales o de apoyo para nuestra política externa.
Nuestra ignorancia de España es, así, completa.
Mientras no se nos pasa desapercibido el último mono de las artes, de las ciencias, de las investigaciones históricas, que hayan nacido en Francia, somos totalmente ajenos a todos los aspectos de la cultura española. Esto en lo que a inspiración espiritual se refiere, que de lo tocante a inspiración de nuestra política externa, será inútil hablar.

15 de febreiro de 2016

Utopia


Thomas More
Utopia (1516)

Como já andava cansado de me cruzar com referências a esta obra, e porque muitas dessas referências me pareciam apropriações abusivas, decidi lê-la para poder ficar com uma opinião mais fundamentada. Na verdade acabei por confirmar as minhas suspeitas, e por uma margem inesperadamente larga, embora possa admitir que diferentes leitores tenderão a encontrar neste texto sentidos opostos, sobrevalorizando o que mais lhes interessa. O próprio More escreve, nos últimos parágrafos «Porque, se de um lado não posso concordar com tudo o que disse este homem, [Utopia é escrito como um diálogo] aliás incontestavelmente muito sábio e muito hábil nos negócios humanos, de outro lado confesso sem dificuldade que há entre os utopianos uma quantidade de coisas que eu aspiro ver estabelecidas em nossas cidades.»
Produto de uma Europa que começava a alagar os horizontes medievais, De Optimo Reipublicae Statu Deque Nova Insula Utopia (O Estado Ideal de uma República na Nova Ilha de Utopia) é maioritariamente o relato fantástico de Rafael Hitlodeu, um viajante português por mares distantes, que afirma ter passado cinco anos nesta ilha, uma sociedade «perfeita», da qual faz a apologia. A república de Utopia – que mais parece uma monarquia electiva, governada por um príncipe vitalício –, registava, nos seus anais, 1760 anos de história, desde a fundação até à narrativa. Uma história imutável, porque as suas bases, estabelecidas por Utopus, o fundador, foram rigorosamente seguidas desde então (nem poderia ser de outra forma, uma vez que a perfeição fora atingida). O relato, dividido em curtos capítulos explicativos dos mecanismos sociais de Utopia – a organização administrativa, a distribuição do trabalho, a guerra, a religião, etc. –, é um espelho das preocupações filosóficas da época, do humanismo nascente, e, simultaneamente um reparo às enormes injustiças cometidas pela sociedade de então. A descrição de uma sociedade justa, pela inexistência de propriedade privada ou moeda corrente, poderá ainda entusiasmar algumas almas – as apropriações que acima referi –, mas como poderão elas lidar com a existência de escravatura, com uma rigidez de costumes devedora do catolicismo medieval, ou a quase inamovível divisão das classes profissionais? Na minha opinião, este livro deve ser lido sem preconceito ideológico, e, sob esse prisma, não ficará muito distante das Viagens de Marco Polo, ou de Peregrinação. O fragmento que escolhi, provocatoriamente, pertence ao trecho «Dos Escravos».

Nem todos os prisioneiros de guerra são indistintamente entregues à escravidão; mas unicamente os indivíduos pegados de armas na mão.
Os filhos de escravos não são escravos. O escravo estrangeiro torna-se livre ao tocar na terra da Utopia.
A servidão recai particularmente sobre os cidadãos culpáveis de grandes crimes e sobre os condenados à morte pertencentes ao estrangeiro. Estes são muito numerosos na Utopia; os utopianos vão mesmo procurá-los no exterior onde os compram a vil preço; algumas vezes obtêm-nos até de graça.
Todos os escravos são submetidos a um trabalho contínuo, e trazem correntes. Os que são tratados, porém, com mais rigor, são os indígenas, que são tidos como os mais miseráveis dos celerados, dignos de servir de exemplo aos outros por uma pior degradação. Com efeito, eles receberam todos os germes da virtude; aprenderam a ser felizes e bons, e, no entanto, abraçaram o crime.
Há ainda uma outra espécie de escravos, os trabalhadores pobres das regiões vizinhas que vêm se oferecer voluntariamente para trabalhar. São em tudo tratados como cidadãos; apenas são obrigados a trabalhar um pouco mais, uma vez que têm o hábito de fadiga maior. São livres de partir quando querem e nunca são devolvidos de mãos vazias.

6 de febreiro de 2016

Derrota Mundial


Salvador Borrego
Derrota Mundial (1953)

Já não me lembro onde encontrei a referência a Salvador Borrego Escalante, jornalista e escritor mexicano, autor de dezenas de livros; terá sido possivelmente em algum dos sites de informação independente, em língua espanhola, que percorro frequentemente. É, evidentemente, um nome maldito — não tem sequer uma entrada na Wikipedia em português, nem encontrei rasto de alguma vez ter sido publicado em Portugal.
Em Derrota Mundial atreveu-se a escrever a História do ponto de vista dos vencidos, quando, toda a gente o sabe, só aos vencedores é permitido escrevê-la. Porque os factos, por si só, não são a História; a História é a «narrativa» (para utilizar uma palavra de má memória) que integra de um modo coerente esses factos, destacando uns, desvalorizando outros, ignorando os restantes — quando não os oculta deliberadamente. Quanto a este livro em particular — que já ultrapassou as 50 edições desde que foi editado pela primeira vez, em 1953, contra boicotes, ameaças ao autor, aos editores e distribuidores — oferece um vasto panorama de análise metapolítica do século decorrido entre a publicação do Manifesto Comunista e o rescaldo da II Guerra Mundial, profusamente documentado e sustentado, numa linguagem clara e acutilante. Uma surpresa, para quem procure uma «narrativa» alternativa à versão «oficial», que os poderes instituídos têm imposto com razoável sucesso. Pelo modo como as coisas seguem, um dia, talvez não muito distante, este livro há-de ser proibido.

Todo poblado y toda aldea cayó en un infierno inenarrable. Ancianos asesinados a golpes porque tenían algún hijo en las SS; civiles muertos a tiros en la nuca delante de sus familiares; civiles requisados como bestias para cargar abastecimientos o arrojados ante las líneas alemanas para que hicieran estallar minas al pisarlas. Niñas de 12 años y mujeres hasta de 70 ultrajadas públicamente y en masa; criaturas que lloraban y gritaban presas de espanto al ser obligadas a presenciar aquellas torturas de sus madres; niños arrancados de sus padres y llevados al Oriente; muchachos de diez años requisados por el Ejército Rojo; saqueos de ropa y de víveres, mujeres semidesnudas abandonadas en los caminos para morir lentamente de hemorragia y de frío.
Todo lo que se temía del Oriente, monstruosamente superado por aquel infierno... Caravanas aterrorizadas de civiles comenzaron a huir hacia retaguardia. En carros y a pie recorrían caminos llenos de nieve y a veces alcanzados por tanques soviéticos que se divertían disparando contra esos blancos inermes, para luego caer sobre las mujeres. Hubo casos en que no respetaban ni a las muertas.
En la confusión de la huida —agravada por los ataques rasantes de los aviones soviéticos—, madres que perdían a sus hijos y niños que buscaban aterrorizados a sus madres. A veces la marcha se prolongaba tanto, por los caminos nevados, que entumecidos fugitivos perdían los pies como si fueran de cristal, al quitarse las botas. Enfermos corroídos por dolores intestinales al cundir las epidemias. Soldados heridos que huían entre la población civil o que fatigados se suicidaban.
Había también caravanas de prisioneros ingleses, americanos y rusos que voluntariamente se alejaban del frente soviético. Trabajadores franceses y polacos engrosaban la huida.
Los restos de la marina alemana se dedicaron infatigablemente a evacuar civiles de Prusia Oriental, Transportaron cerca de millón y medio de desventurados, no sin padecer espantosos desastres. La flota submarina soviética del Mar Báltico, inicialmente integrado por 94 unidades, había sido mantenida a raya durante toda la guerra. En 1941-42 había hundido 24 naves alemanas, inclusive lanchones, al incosteable precio de 37 submarinos destruidos. Pero en los últimos días pudo aprovecharse del blanco fácil que ofrecían los transportes. El vapor «Wilhelm Gustloff» fue torpedeado de noche por un submarino ruso y de sus 5000 ocupantes sólo mil pudieron ser rescatados de las frías aguas del Báltico.
El barco «General Steuben» que zarpó de Prusia el 9 de febrero con dos mil heridos y mil fugitivos, en su mayor parte niños, también fue alcanzado por un torpedo y su proa se clavó inmediatamente en el agua. Los que viajaban en cubierta se apeñuscaban en la popa, pero al escorarse la nave y al cundir el pánico muchos niños y adultos resbalaban hacia el agua o caían en las hélices. Algunos hombres que llevaban pistola se suicidaron. Y los dos mil heridos trataban vanamente de salir a cubierta. Cuando se hundió de pronto lo que sobresalía del barco, «dos mil gritos de los encerrados en el interior terminaron repentinamente, sin intermedio, como cortados por un único y terrible tajo». Al desaparecer la nave hizo un remolino tan vertiginoso que se tragó a los que nadaban a su alrededor. El transporte «Goya» sufrió una suerte semejante con 7000 fugitivos, de los cuales se salvaron sólo 170. Y cuando los aliados se dieron cuenta de estas evacuaciones sembraron de minas desde el aire las bahías de Lubeck y de Kiel, para evitar que continuaran.
Tropas alemanas que lograron arrebatar algunas aldeas a los soviéticos, presenciaron huellas horrendas y escucharon de los supervivientes relatos que encendían inaudita desesperación. Aquello contrastaba sarcásticamente con el respeto que el Ejército Alemán había tenido para la población civil en las zonas ocupadas. Un respeto que se mantuvo inalterable incluso ejecutando a los esporádicos infractores.