17 de abril de 2017

25 de Abril – Episódio do Projecto Global


Fernando Pacheco de Amorim
25 de Abril – Episódio do Projecto Global (1996)

Este é um bom livro para se ler no aniversário de uma das datas mais funestas dos quase 900 anos de História de Portugal, fugindo assim à regurgitação que os meios de comunicação do regime promovem, ano após ano, cúmplices na propaganda e no branqueamento dos factos. Um livro, segundo o autor, dirigido sobretudo às novas gerações que, tendo noção do embuste, procuram a informação suprimida que permite interpretar correctamente o curso dos eventos. Que o 25 de Abril não foi aquilo que que consta da narrativa oficial, qualquer pessoa com um mínimo de curiosidade consegue perceber – a “coincidência” da chegada de uma esquadra da NATO ao Tejo no dia 22; o significado do cravo vermelho, símbolo da Revolução (mas também dos Rothschilds e dos banqueiros londrinos), e que, em Portugal, só floresce um mês mais tarde...
A primeira parte do livro debruça-se sobre John Ruskin e Cecil Rhodes, as origens do globalismo, e a forma como as suas ideias se dispersaram discretamente pelo mundo anglo-saxónico, estando na origem de “eventos” que mais não são do que história dirigida. Descreve também como o mundo financeiro, por trás de fundações isentas de impostos, canaliza lucros não tributados para o financiamento do pensamento único, controlando facilmente todos os principais órgãos de informação, comentadores políticos, direcções de Universidades, intelectuais, que reagem em uníssono cada vez que o establishment está em risco, nas habituais manobras de manipulação de opinião pública.
Depois enquadra o 25 de Abril neste esquema geral de eventos, tentando responder às perguntas “O que foi? Quem o promoveu? O que pretendia? Em que resultou?”, agregando os factos isolados num todo coerente que explica a Revolução como um lance mais no grande tabuleiro do globalismo, destinado a arrebatar o Ultramar dos portugueses para o entregar aos obscuros interesses dos que o cobiçavam.
Fernando Pacheco de Amorim segue neste livro um fio de análise não muito vulgar no nosso país, muito menos na época em que foi escrito. O livro peca, talvez, por recorrer demasiadas vezes a alusões veladas, partindo do princípio que o leitor as identificará, o que contradiz a vontade manifestada de se dirigir aos jovens, para quem os factos descritos são já História. É também penoso verificar como em todo o seu texto, enumerando os protagonistas e os agentes por trás do impulso globalista, nem uma única vez denuncie o que a grande maioria têm em comum – à excepção de um único nome perdido no extenso índice onomástico – são judeus! O globalismo, ou NOM, só triunfa enquanto conseguir manobrar nas sombras; uma vez exposto perderá o seu poder. Fernando Pacheco de Amorim desperdiçou aqui uma excelente oportunidade de focalizar um pouco mais o seu ponto.

A oportunidade surgiu quando tive a honra de conhecer e de contactar numerosas vezes com o Senhor Contra-Almirante Pinheiro de Azevedo. Tive então ocasião de perguntar ao Senhor Contra-Almirante a que tinha obedecido a alteração do programa das F.A. e da legislação então publicada, em relação ao Ultramar, isto é, porque não se tinha aguardado uma nova Constituição para então dar cumprimento às resoluções da ONU.
O Senhor Contra-Almirante informou-me então que o que levou a alterar o compromisso assumido pelo MFA perante a Nação, tinha sido uma resolução tomada em reunião do Conselho de Estado. Disse-me que estivera várias vezes para denunciar publicamente este facto, mas que sempre hesitara com o receio de aumentar ainda mais, com a sua revelação, a grande confusão então existente.
Que se passara em tão importante reunião do Conselho de Estado, mantida tão secreta pelos seus membros num País onde não é possível guardar segredos?
Logo me assaltou a suspeita de que só a má consciência dos seus membros poderia conseguir um tal milagre neste País de linguareiros.
O Senhor Contra-Almirante confirmou-me essa suspeita! Na verdade informou-me que em determinada reunião daquele órgão de soberania, o Prof. Freitas do Amaral defendera, numa extensa exposição, que não seria necessário esperar por uma nova Constituição para se dar início ao processo de descolonização, pois que a legislação em vigor permitia que se lhe desse início.
O Senhor Contra-Almirante, ainda a propósito do Prof. Freitas do Amaral, disse-me que após a sua exposição, os militares, embaraçados, se entreolharam, surpreendidos, mas naturalmente sem argumentos para combater os da tese apresentada e que, os restantes membros do Conselho que poderiam ter argumentado dada a sua formação académica, logo se manifestaram em calorosos elogios à proposta apresentada, tendo ficado desde logo decidido dar-se início à descolonização.
Estava dado o primeiro passo de uma grande tragédia.
Tendo, mais tarde, procurado informar-me de quem tinha acesso às actas do Conselho de Estado, para me certificar da exactidão da informação que o Senhor Contra-Almirante me tinha dado, constou-me que o Senhor General Eanes, logo após a tomada de posse da Presidência da República, tendo querido chamar a si aquelas actas e as da Comissão da Descolonização foi informado do seu desaparecimento. Será verdade? Não me surpreende que o seja. Haverá alguém que se surpreenda?

15 de abril de 2017

O Diabo e Outras Histórias


Leon Tolstoi
O Diabo e Outras Histórias (1889)

O conto destacado no título da colectânea (escolhido para o excerto mais abaixo) é, talvez, aquele onde mais claramente se projectam os conflitos pessoais que atormentam tantos personagens de Tolstoi; com forte componente autobiográfica, descreve um proprietário rural que vê a sua obsessão carnal por uma camponesa, incontrolável, sobrepor-se à estabilidade do seu casamento, levando-o ao desespero. Este conto, iniciado em 1889 e várias vezes reescrito (aqui apresentado com dois desfechos diferentes) foi publicado, postumamente, em 1911.
Quanto a Falso Cupom (de 1904 e também editado postumamente), o mais extenso do livro, parte de um pequeno crime cometido por dois jovens — a viciação do cheque da mesada de um deles, apertado por dívidas — que, num efeito de bola de neve, dá início a uma série de roubos e assassinatos. Os criminosos são condenados e encarcerados e, sem se conhecerem entre si, tomam contacto com o Evangelho na prisão, o que os leva à regeneração. Sendo uma das obras tardias de Tolstoi, também publicada postumamente, nela é bem evidente a sua interpretação pessoal do cristianismo, que o levou a entrar em rota de colisão com a Igreja Ortodoxa.
Fazem ainda parte desta edição os contos Três Mortes (1859), Kholstomér (1888) e Depois do Baile (1903).

Depois do café, todos se separaram. Ievguiêni, como de costume, foi para seu escritório. Não se pôs a ler nem a escrever cartas, mas ficou sentado, fumando um cigarro atrás do outro, pensando. Estava terrivelmente surpreso e amargurado com aquele sentimento detestável que nele se manifestava inesperadamente, do qual se considerava livre desde o casamento. Desde então nunca experimentara aquele sentimento, nem por ela, por aquela mulher, nem por qualquer outra, exceto por sua esposa. Muitas vezes em seu íntimo se alegrava por essa libertação, e eis que de repente aquele acaso, que parecia insignificante, vinha lhe revelar que não estava livre. Atormentava-se nesse momento não pelo fato de estar outra vez subordinado àquele sentimento, de desejá-la — nem queria pensar nisso —, mas porque o sentimento ainda estava vivo dentro dele, porque era preciso estar em alerta. No íntimo, não havia nem sombra de dúvida de que acabaria por vencê-lo.
Tinha que responder a uma carta e preencher um documento. Sentou-se à escrivaninha e pôs-se a trabalhar. Quando terminou, esquecido do que o inquietava, deixou o escritório para ir à estrebaria. Outra vez, como por azar, não se sabe se por uma coincidência infeliz ou de caso pensado, mal descera à varanda fechada quando surgiu de um canto uma saia vermelha, um lenço vermelho e ela passou por ele, balançando os braços e se requebrando. Como se não bastasse ter passado, deu uma corridinha, evitando-o como numa brincadeira, e alcançou a companheira.
Outra vez aquele meio-dia, as urtigas, os fundos da cabana de Danila, o rosto sorridente à sombra dos bordos e a folhagem urticante ressurgiram na imaginação dele.
"Não, não posso deixar isso assim" — disse consigo e, depois de esperar que as mulheres sumissem de sua vista, dirigiu-se ao escritório.

Li anteriormente:
A Morte de Ivan Ilitch (1886)
Guerra e Paz (1869)
Ana Karenina (1878)

8 de abril de 2017

The War of the Worlds


H. G. Wells
The War of the Worlds (1898)

Este livro, intitulado A Guerra dos Mundos em português, é o título mais conhecido de H. G. Wells, certamente devendo mais a sua celebridade às inúmeras adaptações que sofreu do que à leitura da obra escrita. A primeira vez que dele tive conhecimento foi, creio, num filme passado na televisão, onde se contava como Orson Welles espalhou o pânico com a sua adaptação radiofónica de 1938.
A história, toda a gente a conhece, trata de uma invasão de marcianos que, armados de tecnologia superior, levam a cabo uma destruição inaudita em Londres e arrabaldes, acabando derrotados pela vida microbiana, contra a qual não estavam preparados.
A ameaça extraterrestre, tema que marcou uma época na literatura FC, terá começado aqui. Nas últimas décadas, um novo entendimento defende que, se uma civilização conseguir um tal avanço tecnológico que lhe permita viajar entre as estrelas (Marte já estava então descartado da possibilidade de albergar vida inteligente), deverá ter uma evolução ética correspondente, que a impeça de fazer a guerra a outras civilizações que encontre... Um pacifismo, sinal dos nossos tempos, que apenas reconhece a sua ética, validada na projecção antropomórfica de um ser humano de sentido único, que não passa de uma construção baseada num desejo. Como explicou Stanislaw Lem em Solaris, a motivação de uma mente alienígena poderá estar muito para além da compreensão humana. E, regressando a The War of the Worlds, é-nos explicado que os marcianos se encontravam em risco de extinção no seu planeta moribundo; a invasão era, para eles, uma questão de vida ou morte.

Suddenly I heard a noise without, the run and smash of slipping plaster, and the triangular aperture in the wall was darkened. I looked up and saw the lower surface of a handling-machine coming slowly across the hole. One of its gripping limbs curled amid the debris; another limb appeared, feeling its way over the fallen beams. I stood petrified, staring. Then I saw through a sort of glass plate near the edge of the body the face, as we may call it, and the large dark eyes of a Martian, peering, and then a long metallic snake of tentacle came feeling slowly through the hole.
I turned by an effort, stumbled over the curate, and stopped at the scullery door. The tentacle was now some way, two yards or more, in the room, and twisting and turning, with queer sudden movements, this way and that. For a while I stood fascinated by that slow, fitful advance. Then, with a faint, hoarse cry, I forced myself across the scullery. I trembled violently; I could scarcely stand upright. I opened the door of the coal cellar, and stood there in the darkness staring at the faintly lit doorway into the kitchen, and listening. Had the Martian seen me? What was it doing now?
Something was moving to and fro there, very quietly; every now and then it tapped against the wall, or started on its movements with a faint metallic ringing, like the movements of keys on a split-ring. Then a heavy body—I knew too well what—was dragged across the floor of the kitchen towards the opening. Irresistibly attracted, I crept to the door and peeped into the kitchen. In the triangle of bright outer sunlight I saw the Martian, in its Briareus of a handling-machine, scrutinizing the curate's head. I thought at once that it would infer my presence from the mark of the blow I had given him.
I crept back to the coal cellar, shut the door, and began to cover myself up as much as I could, and as noiselessly as possible in the darkness, among the firewood and coal therein. Every now and then I paused, rigid, to hear if the Martian had thrust its tentacles through the opening again.
Then the faint metallic jingle returned. I traced it slowly feeling over the kitchen. Presently I heard it nearer—in the scullery, as I judged. I thought that its length might be insufficient to reach me. I prayed copiously. It passed, scraping faintly across the cellar door. An age of almost intolerable suspense intervened; then I heard it fumbling at the latch! It had found the door! The Martians understood doors!
It worried at the catch for a minute, perhaps, and then the door opened.
In the darkness I could just see the thing—like an elephant's trunk more than anything else—waving towards me and touching and examining the wall, coals, wood and ceiling. It was like a black worm swaying its blind head to and fro.
Once, even, it touched the heel of my boot. I was on the verge of screaming; I bit my hand. For a time the tentacle was silent. I could have fancied it had been withdrawn. Presently, with an abrupt click, it gripped something—I thought it had me!—and seemed to go out of the cellar again. For a minute I was not sure. Apparently it had taken a lump of coal to examine.
I seized the opportunity of slightly shifting my position, which had become cramped, and then listened. I whispered passionate prayers for safety.
Then I heard the slow, deliberate sound creeping towards me again. Slowly, slowly it drew near, scratching against the walls and tapping the furniture.
While I was still doubtful, it rapped smartly against the cellar door and closed it. I heard it go into the pantry, and the biscuit-tins rattled and a bottle smashed, and then came a heavy bump against the cellar door. Then silence that passed into an infinity of suspense.
Had it gone?
At last I decided that it had.

Li anteriormente:
The Invisible Man (1897)
The Island of Doctor Moreau (1896)
The Time Machine (1895)