15 de abril de 2017

O Diabo e Outras Histórias


Leon Tolstoi
O Diabo e Outras Histórias (1889)

O conto destacado no título da colectânea (escolhido para o excerto mais abaixo) é, talvez, aquele onde mais claramente se projectam os conflitos pessoais que atormentam tantos personagens de Tolstoi; com forte componente autobiográfica, descreve um proprietário rural que vê a sua obsessão carnal por uma camponesa, incontrolável, sobrepor-se à estabilidade do seu casamento, levando-o ao desespero. Este conto, iniciado em 1889 e várias vezes reescrito (aqui apresentado com dois desfechos diferentes) foi publicado, postumamente, em 1911.
Quanto a Falso Cupom (de 1904 e também editado postumamente), o mais extenso do livro, parte de um pequeno crime cometido por dois jovens — a viciação do cheque da mesada de um deles, apertado por dívidas — que, num efeito de bola de neve, dá início a uma série de roubos e assassinatos. Os criminosos são condenados e encarcerados e, sem se conhecerem entre si, tomam contacto com o Evangelho na prisão, o que os leva à regeneração. Sendo uma das obras tardias de Tolstoi, também publicada postumamente, nela é bem evidente a sua interpretação pessoal do cristianismo, que o levou a entrar em rota de colisão com a Igreja Ortodoxa.
Fazem ainda parte desta edição os contos Três Mortes (1859), Kholstomér (1888) e Depois do Baile (1903).

Depois do café, todos se separaram. Ievguiêni, como de costume, foi para seu escritório. Não se pôs a ler nem a escrever cartas, mas ficou sentado, fumando um cigarro atrás do outro, pensando. Estava terrivelmente surpreso e amargurado com aquele sentimento detestável que nele se manifestava inesperadamente, do qual se considerava livre desde o casamento. Desde então nunca experimentara aquele sentimento, nem por ela, por aquela mulher, nem por qualquer outra, exceto por sua esposa. Muitas vezes em seu íntimo se alegrava por essa libertação, e eis que de repente aquele acaso, que parecia insignificante, vinha lhe revelar que não estava livre. Atormentava-se nesse momento não pelo fato de estar outra vez subordinado àquele sentimento, de desejá-la — nem queria pensar nisso —, mas porque o sentimento ainda estava vivo dentro dele, porque era preciso estar em alerta. No íntimo, não havia nem sombra de dúvida de que acabaria por vencê-lo.
Tinha que responder a uma carta e preencher um documento. Sentou-se à escrivaninha e pôs-se a trabalhar. Quando terminou, esquecido do que o inquietava, deixou o escritório para ir à estrebaria. Outra vez, como por azar, não se sabe se por uma coincidência infeliz ou de caso pensado, mal descera à varanda fechada quando surgiu de um canto uma saia vermelha, um lenço vermelho e ela passou por ele, balançando os braços e se requebrando. Como se não bastasse ter passado, deu uma corridinha, evitando-o como numa brincadeira, e alcançou a companheira.
Outra vez aquele meio-dia, as urtigas, os fundos da cabana de Danila, o rosto sorridente à sombra dos bordos e a folhagem urticante ressurgiram na imaginação dele.
"Não, não posso deixar isso assim" — disse consigo e, depois de esperar que as mulheres sumissem de sua vista, dirigiu-se ao escritório.

Li anteriormente:
A Morte de Ivan Ilitch (1886)
Guerra e Paz (1869)
Ana Karenina (1878)

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