1 de setembro de 2017

Revolta Contra o Mundo Moderno



Julius Evola
Revolta Contra o Mundo Moderno (1934)

Há menos de três anos o nome de Julius Evola era para mim absolutamente desconhecido. Uma série de artigos publicados num semanário prenderam-me a atenção e, desde então, devo ter lido centenas de páginas em artigos e excertos da sua obra. Estas leituras não só o transformaram, a meus olhos, no mais importante pensador do séc. XX, como me levaram a outros filósofos – René Guénon, por exemplo nas referências aí contidas.
Datado de 1934 – e certamente objecto de revisões em edições posteriores, pois refere-se factos sucedidos após essa data – Revolta Contra o Mundo Moderno é, como eu já sabia, uma análise demolidora da modernidade, das suas crenças e fundamentos, da causas da involução e degradação civilizacional que atinge o Ocidente em geral e a Europa em particular; Evola descreve as características da civilização tradicional e os factores que, uma vez postos em marcha, a arrastam fatalmente à queda. Por isso não existe aqui qualquer réstia de esperança; identificado tempo presente como a Idade última, que antecederá uma restauração das condições primordiais (em Evola o tempo é cíclico e não linear), não nos caberá viver o novo amanhecer. Neste combate de causa perdida, «preocupemo-nos só com uma coisa: manter-nos de pé num mundo de ruínas».
Essa será a precisa razão porque Julius Evola continuará a ser um ilustre desconhecido: num mundo em que o materialismo triunfou sobre a espiritualidade, as suas ideias e os valores que promove parecem deslocados, ultrapassados, para além da “razoabilidade”ninguém gosta de más notícias, o discurso do “progresso” parece muito mais atraente. Daí a profunda cortina de silêncio sobre o autor e respectiva obra, a desvalorização e o enviesamento – basta ler o que qualquer enciclopédia corriqueira dirá sobre ele, suficiente para afugentar quem lá tiver chegado por acaso –, quando não o apagamento puro e simples.

É uma palavra de ordem que faz parte das convenções da historiografia moderna a exaltação polémica da civilização do Renascimento contra a medieval. Se não se tratasse de uma das numerosas sugestões difundidas na cultura moderna pelos dirigentes da subversão mundial, teria de se ver nisso a expressão de uma incompreensão típica. Se, depois do fim do mundo antigo, houve uma civilização que tenha merecido o nome de Renascimento foi precisamente a Idade Média. Na sua objectividade, no seu «virilismo», na sua estrutura hierárquica, na sua soberba elementaridade anti-humanística, tão frequentemente penetrada de sacro, a Idade Média foi como que uma nova chama do espírito da civilização una e universal das origens. A verdadeira Idade Média surge-nos sob características clássicas, e em nada românticas. O carácter da civilização que se lhe sucedeu tem um significado totalmente diferente. A tensão que durante a Idade Média tinha tido uma orientação essencialmente metafísica degrada-se e muda de polaridade. O potencial anteriormente recolhido sobre a direcção vertical — para cima, como no símbolo das catedrais góticas — descarrega-se no presente na direcção horizontal, para fora, produzindo, por sobressaturação de planos subordinados, fenómenos capazes de sensibilizar o observador superficial: na cultura a irrupção tumultuosa de múltiplas manifestações de uma criatividade quase totalmente privada de toda a base tradicional ou meramente simbólica, e portanto profana e dessacralizada; no plano exterior, a expansão quase explosiva dos povos europeus no conjunto de todo o mundo no período dos Descobrimentos, das explorações e das conquistas coloniais, que corresponde mais ou menos ao do Renascimento e do Humanismo. São os efeitos de uma libertação de forças idêntica à que se produz durante a decomposição de um organismo.
Pretendeu-se ver no Renascimento, em muitos dos seus aspectos, um retomar da civilização antiga, descoberta de novo e reafirmada contra o sombrio mundo do cristianismo medieval. Trata-se de um grave equívoco. O Renascimento só retomou do mundo antigo formas decadentes, e não as das origens, que estavam penetradas de elementos sacros e suprapessoais, ou então retomou-as desprezando completamente estes elementos e utilizando a herança antiga numa direcção absolutamente diferente. No Renascimento a «paganidade», de facto, serviu essencialmente para desenvolver a simples afirmação do Homem, para fomentar uma exaltação do indivíduo, que passa a inebriar-se com as produções de uma arte, de uma erudição e de uma especulação privadas de qualquer elemento transcendente e metafísico.
[...]
No seu sentido mais geral, o humanismo pode-se dizer que é o estigma e a palavra de ordem de toda a civilização que se libertou das «trevas da Idade Média». Com efeito, esta civilização já só conhecerá o homem: é no homem que começarão e acabarão todas as coisas; é só no homem que assentam os céus e os infernos, as glorificações e as maldições que agora serão conhecidas. É este mundo — o outro do verdadeiro mundo — com as suas criações da febre e da sede, com as suas vaidades artísticas e os seus «génios», com a selva das suas máquinas e das suas fábricas e, por fim, com os seus chefes populares, que constituirá o limite para o homem.
A primeira forma sob a qual aparece o humanismo é o individualismo. Este caracteriza-se pela constituição de um centro ilusório fora do centro verdadeiro, como pretensa prevaricação de um «Eu» que é simplesmente o mortal do corpo — e como construção por meio de faculdades puramente naturais, que agora criam e defendem, através das artes e ciências profanas, aparências diferentes que, fora deste centro falso e vazio, não têm a menor consistência; verdades e leis essas marcadas pela contingência e pela caducidade próprias de tudo o que pertence ao mundo do devir.
Daí, um irrealismo radical, uma radical organicidade em tudo o que é moderno. Tanto por dentro como por fora, já nada será vida, tudo será construção: ao ser agora extinto, substituem-se em todos os aspectos o «querer» e o «Eu», como que num sinistro sustentáculo racionalista e mecanicista de um corpo morto. Tal como no pulular vermicular das putrefacções, desenvolvem-se então as mil conquistas, as mil superações e as mil criações do homem novo. Abre-se o caminho a todos os paroxismos, a todas as manias inovadoras e iconoclastas, a todo um mundo de uma retórica fundamental em que, tendo-se substituído o espírito pela imagem do espírito, já não conhecerão limites as fornicações incestuosas do homem nos campos da religião, da filosofia, da arte, da ciência e da política.

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