29 de outubro de 2017

O Descobrimento do Tibet

António de Andrade
O Descobrimento do Tibet (1921)

O padre jesuíta António de Andrade foi o primeiro europeu a chegar ao Tibete, em 1624. Voltou lá no ano seguinte, para estabelecer uma missão e escreveu várias cartas sobre a sua viagem àqueles confins asiáticos. A primeira foi publicada em Lisboa em 1626, com o título Novo Descobrimento do Gram Cathayo, ou Reinos de Tibet, e está disponível na Biblioteca Nacional Digital. A segunda, segundo afirma Esteves Pereira – o organizador desta edição patrocinada pela Academia das Ciências de Lisboa, em 1921 – ainda não fora, até à data da deste livro, publicada na íntegra. Entre 1626 e 1631, o Novo Descobrimento do Gram Cathayo foi traduzido para espanhol, italiano, francês, polaco e flamengo; a Carta Segunda, foi também traduzida em espanhol e italiano, em 1626 e 1628, respectivamente. A transcrição das cartas é mais ou menos fiel ao português do século XVII, e ainda hoje se consegue entender sem grandes dificuldades, tanto mais que certas formas foram adaptadas à ortografia que vigorava em 1921.
A viagem iniciou-se em Agra, no norte da Índia, e seguiu por Deli e Lahore, em direcção a Srinagar de Uttarakhand, e aos Himalaias, baseada na informação obtida junto dos mouros caxemirenses, segundo a qual existiriam reinos cristãos ao norte. Descreve ainda o antagonismo das autoridades locais perante estrangeiros que, não sendo mercadores, se tornavam suspeitos de espionagem, e as dificuldades da passagem pelas montanhas de neves perpétuas, com risco da própria vida. Depois das peripécias da viagem, chega enfim ao Tibete, onde é recebido pelo rei e pela rainha, que o tratam com benevolência. A carta refere-se depois à viagem de regresso e a um ataque ao reino acabado de visitar, por quatro reinos vizinhos, que os tibetanos, exímios guerreiros, repeliram com facilidade. A primeira carta termina com curiosas considerações sobre o Tibete e as suas gentes, que o jesuíta português considera promissoras quanto a uma futura evangelização.
A segunda carta faz um resumo da viagem anterior e prossegue com as considerações sobre as terras tibetanas e os seus reinos, usos e costumes, agora de modo muito mais pormenorizado. Descreve também as tentativas de conversão que António Andrade exerceu sobre o rei e a família real, bem como algumas discussões teológicas que manteve com os lamas tibetanos, e o modo como estabeleceu a missão nessa cidade de Chaparangue.

Tem estes Lamaz uarios costumes, dos quais apontarej breue mente algũs neste lugar. Em certo dia do anno jejuão, e chamão ao tal jejum Nhunâ, que quer dizer jejum de grande aperto, porque nelle não comem mais que hũa so uez, nem bebem o seu Cha, que pera elles he de grande mortificação. Neste dia não falão palaura, que formem com a lingua, mas por assenos se declarão; quando adoecem os animais, como caualos, vacas, e carnejros, etc. hũa casta destes Lamaz rezão sobre os ditos animais certas oraçõis polla menhã e a tarde, mas com os dentes fechados e na mesma forma falão com a gente sem os abrir em quanto dura a doença nos animais. Tem alguns outros dias de jejum, a que chamão Nhenâ, que quer dizer jejum ordinario, neste almoção duas vezes polla menhã; comem ao meyo dia carne, e tudo o mais que tem; da hi por diante comem doce, passas, leite, etc. e tudo em quanta quantidade querem, e achão que jejuão por não comerem carne, mais que hũa so uez; e bebem muitas o seu Cha, como nos outros dias, e dão por rezão, que o beber do Cha muitas vezes he couza muj agradauel a Deos, porque com elle se lhe fazem as linguas mais expeditas e promptas pera rezar.
Quando rezão costumão a tanger com trombetas de metal, mas entre ellas, uzão cada dia de outras feitas de braços e pernas de homens mortos; uzão tambem muito de contas feitas de cauejras, e perguntandolhe eu a rezão deste costume, respondeu o Lamâ Irmão del Rey, que uzauão das ditas trombetas quando fazião oração a Deos, pera que ouuindoas a outra gente, viesse em conhecimento do que muito cedo auia de uir a ser, e que polla mesma rezão rezauão por contas de ossos de mortos, e bebião por cauejras como por copos, posto que não tão de ordinajro, pera que não fosse menos frequente a lembrança da morte, que costuma concertar, e ordenar a uida, do que era o rezar pollas contas, que lha representauão de contino trazendoas entre mãos; e o beber pollas cauejras lhe seruia de gostarem menos das couzas da uida, antes lhe ficauão assim seruindo mais de triaga spiritual pera as almas contra os vicios e paixões da carne, que de sostentação corporal pera os corpos.
Não costuma a gente secular frequentar as suas Igrejas, que quasi sempre estão fechadas, sómente concorre a ellas em dous dias do anno, em que estão abertas, e então as correm três uezes em roda, e no cabo entrão a fazer reuerencia ás Imagens: os Lamaz as frequentão mais, porque no tempo dos frios por espaço de quatro ou sinco mezes, estão de contino nestes templos rezando hora em huns, hora em outros, por muitas horas, e nelles comem, e dormem; fazem grandes reuerencias neste tempo de sua oração, ajoelhandose (digo debruçando-se) muito a miude: o Canto he bem entoado, mas não aleuantão muito as uozes. No cabo concluem estas suas juntas com disputas solemnes, em que ha presidentes e defendentes, e tratasse sobre as cousas de seu liuro; ellas acabadas se recolhem a suas particulares estancias; mas primejro fazem uarias dansas polla terra uestidos com Quimões da China, com coroas na cabeça, toalhas nas mãos, ou campainhas, que tocão todos a compasso. O dansar he muito composto, e modesto; não entrão porem nestas danças, senão alguns Lamaz moços com outros, que aprendem pera o ser. Hũa uez disse eu ao Lama Irmão del Rey, que estranhaua entrarem Lamaz em danças ainda que mancebos, e que os nossos erão tão graues, que por nenhum cazo da uida se uerião nelles acção menos composta e indigna de seu estado: respondeu, que os seus Lamaz mancebos naquelle acto erão figura dos Anjos, que por isso leuauão coroas nas cabeças, e trajo differente; e que assim como nós os representauamos cantando e dançando (porque nesta forma os tinha uisto em certo painel do nacimento de Christo Senhor nosso), assim entrauão estes seus Lamaz em figura de Anjos.

24 de outubro de 2017

Nas Montanhas da Loucura

H. P. Lovecraft
Nas Montanhas da Loucura (1936)

Howard Phillips Lovecraft, hoje considerado como um dos mais carismáticos e influentes escritores de literatura fantástica do séc. XX, não publicou um único livro durante a sua vida (se descontarmos a péssima edição de The Shadow Over Innsmouth, em 1936). A sua obra – ensaio, uma novela, várias noveletas, contos e poesia – nem sempre impressa em revistas conhecidas, como a Astounding, a Amazing ou a Weird Tales, espalhou-se por edições amadoras ou jornais regionais, e parecia destinada ao esquecimento, após a sua morte prematura. O empenho dos escritores August Derleth e Donald Wandrei, pertencentes ao seu círculo de amigos e admiradores, resultou na criação da Arkham House, editora destinada inicialmente à publicação dos trabalhos de H. P. Lovecraft. Assim, os livros de Lovecraft são, por norma, colectâneas de contos, mais ou menos organizadas segundo os vários ciclos em que é possível dividir a sua obra.
Nas Montanhas da Loucura trata de uma expedição geológica e paleontológica ao continente antárctico, onde é destruída num ataque por seres primevos que encarnam o próprio mal. O relato é contado em retrospectiva, por um dos sobreviventes, como um apelo desesperado na tentativa de evitar novas incursões àquele continente. Descreve então a descoberta de uma interminável cidade ciclópica, abandonada e semiarruinada, em parte preservada pela camada de gelo glacial, velha de muitos milhões de anos, construída ao longo de eras geológicas por seres vindos do espaço, cuja história deixaram talhada em baixos-relevos omnipresentes nos salões, galerias e túneis que o narrador e um acompanhante percorreram, antes de fugir da ameaça de morte certa.
O tema das viagens ao continente desconhecido já o havia encontrado em Edgar Allan Poe (As Aventuras de Arthur Gordon Pym com o qual este livro partilha uma ligação) e Jules Verne (A Esfinge dos Gelos também relacionado com Arthur Gordon Pym) e, de forma algo diferente, em Vladimir Obrutchev (Terra de Sannikof e Viagem à Plutónia), uma vez mais, Verne (Viagem ao Centro da Terra) ou Arthur Conan Doyle (O Mundo Perdido). No entanto, H. P. Lovecraft é diferente de todos eles, pois traz uma dimensão de horror primordial e sobrenatural, que raramente passa das alusões veladas e das meias-palavras dos personagens, deixando à imaginação do leitor o trabalho de ligar os pontos para completar o desenho.
Os restantes três contos que compõem o livro – A Casa Abandonada, Os Sonhos na Casa Assombrada e O Depoimento de Randolph Carter – são, na minha opinião, mais próximos do horror à Edgar Allan Poe, e cruzam referências (remetem para particularidades de Mountains e também para títulos de outros contos que ainda não li) deixando entrever todo um universo mitológico que H. P. Lovecraft terá criado para os seus contos.

O efeito da visão monstruosa era indescritível, pois parecia fora de dúvida que em sua origem atuara alguma diabólica violação da lei natural. Ali, num altiplano infernalmente antigo, a nada menos de 6.000 metros de altitude, e num meio climático vedado à vida desde uma era pré-humana a não menos de quinhentos mil anos, estenda-se quase até o limite da visão um entrelaçamento ordeiro de pedras que só o desespero da legítima defesa mental poderia deixar de imputar a uma causa consciente e artificial. Havíamos descartado anteriormente, para todos os efeitos de cogitação séria, qualquer teoria de que os cubos e muralhas das encostas não tivessem origem natural. Como seria de outra forma, se o próprio homem mal poderia ser diferenciado dos grandes macacos à época em que aquela região sucumbira ao presente reino ininterrupto de morte glacial?
No entanto, agora a razão parecia irrefutavelmente abalada, pois aquele emaranhado ciclópico de blocos aplainados, recurvados e dispostos em ângulos possuía características que invalidavam todo e qualquer refúgio seguro. Era, com inescapável clareza, a cidade blasfema da miragem, numa realidade crua, objetiva e inelutável. Aquele prodígio maldito tivera, afinal, um fundamento material — uma camada horizontal de poeira de gelo pairara, suspensa, na atmosfera superior e aquela chocante sobrevivência de pedra havia projetado sua imagem para o outro lado das montanhas, obedecendo às leis simples da reflexão. O fantasma, naturalmente, chegara a nós distorcido e exagerado, exibindo, ademais, coisas que a fonte real não continha. Agora, porém, vendo-lhe a fonte real, nós a julgávamos ainda mais tétrica e ameaçadora que sua imagem distante.

13 de outubro de 2017

Música ao Longe

Érico Veríssimo
Música ao Longe (1935)

Sobre Música ao Longe, é o próprio Érico Veríssimo quem, no Prólogo, datado de 1961, o considera um livro medíocre, apressado (foi escrito em menos de um mês para concorrer a um prémio literário), embora não desprovido de méritos. O tema, diz, poderia ter comportado uma certa grandiosidade, e a história exigia um tratamento sério e de certa profundidade. A razão disto, segundo o autor, deve-se ao facto de ter recorrido ao diário da jovem Clarissa, sem experiência suficiente para avaliar o drama da família, nem para compreender as suas causas profundas.
Clarissa é a mesma personagem do livro de 1933, agora regressada a Jacarecanga como professora recém-formada. O drama da sua família – os Albuquerques, outrora poderosos e ilustres –, mais do que o aperto financeiro, pois o pai perdeu terras e gado, restando-lhe apenas a casa que acabará por hipotecar, é também o da decadência física e moral dos seus parentes. Música ao Longe é o confronto do desencanto pessoal de Clarissa, a jovem adulta na posse de um novo entendimento, vertido no diário, com os dias despreocupados da sua infância. São os horizontes estreitos da sua terra, que lhe prometem uma vida para a qual não consegue encontrar sentido, e Vasco, o primo considerado a ovelha-negra da família que aguarda o momento certo para partir dali. Entre os dois nascerá uma certa cumplicidade, originada no entendimento mútuo e no desconforto que a ambos assola.
Este livro acabou por ganhar o Prémio de Romance Machado de Assis, instituído em 1934, ao qual concorreu; se todos os livros “medíocres” fossem como este, certamente não ficávamos mal servidos.

Nicolina entra trazendo os pires com compota de pêssego.
— Não tem outra sobremesa? — pergunta João de Deus.
— Esta é a única.
— Por que não mandas buscar uma goiabada ali no Café do Pires?
O olhar de D. Clemência é uma resposta eloquente. João de Deus compreende.
— Ele também não quer fiar?
A mulher sacode afirmativamente a cabeça.
João de Deus empurra o prato, amarfanha o guardanapo com uma expressão de raiva na cara bronzeada, ergue-se de repente e começa a passear dum lado para outro, resmungando:
— Corja! Me negarem crédito... Logo pra mim! Pra mim!
Cleonice, de cabeça baixa, come a sua compota. D. Clemência olha para o marido. Clarissa nem ousa erguer os olhos.
Como uma fera enjaulada, João de Deus caminha da mesa até a janela, com as mãos nos bolsos e a cabeça baixa. Vai e volta, de lá pra cá, de cá pra lá...
— Patifes! O velho Olivério já matou a fome de toda essa cachorrada e agora um filho dele não tem crédito nem para uma lata de goiabada! Patifes!
D. Clemência sacode a cabeça abandonadamente. Cleonice pede mais uma metade de pêssego.
— O Pires! — continua a resmungar o bisneto do general Zé Pedro. — O Pires que andava de roupa rasgada. Papai chamou ele, deu casa, deu comida e depois ainda por cima emprestou dinheiro pra esse ordinário se estabelecer. Sim senhor! Hoje vai-se buscar uma lata de goiabada e ele diz: "Não se fia!" O Pires!
— Mas, João de Deus — observa a mulher — o coitado tem razão, já devemos cinco meses de fornecimento, também o homem não pode viver de promessas...
João de Deus estaca de repente. Olhos chispantes, ele cresce para a mulher:
— Tu também? Dando razão àquele porco? Era só o que faltava! O Pires!

Li anteriormente:
Caminhos Cruzados (1935)
Clarissa (1933)
Olhai os Lírios do Campo (1938)

10 de outubro de 2017

Tesla y la Conspiración de la Luz

Miguel A. Delgado
Tesla y la Conspiración de la Luz (2014)

O nome de Nikola Tesla está associado ao campo magnético alternado, que tornou possível a electricidade na forma de corrente alterna. Na sua época, Thomas Edison, talvez o mais prolífico inventor de todos os tempos, insistia erradamente na via da corrente contínua. Tesla era, talvez, mais visionário que Edison (com quem chegou a trabalhar) – veja-se, por exemplo as suas experiências com a ressonância –, mas, em lugar de se ter dedicado a grandiosos projectos que nunca foram levados à prática, se tivesse seguido o caminho de Edison, que se concentrou na massificação das suas invenções, talvez hoje o seu nome fosse mais reconhecido (a sua personalidade excêntrica e solitária também não o ajudou). Há mesmo quem pense que, se tivesse sido levado a sério, a sua física nos teria conduzido a um mundo diferente...
Este livro leva-nos a um 1931 paralelo, a uma Nova Iorque onde as ideias visionárias de Tesla se converteram em realidade e transformaram os EUA numa potência tecnológica (ainda) mais avançada. O Titanic não se afundou, a Grande Guerra foi ganha com a ajuda de autómatos norte-americanos, Trotsky está à frente da União Soviética, a energia eléctrica sem fios (transmitida por ondas) é abundante e barata, os céus são cruzados por enormes fusos – os “oceânicos” – dirigidos por feixes eléctricos, existem tantos veículos citadinos terrestres como aéreos, a iluminação nocturna é dada por uma aurora artificial, e o controlo do clima é uma realidade. O tempo é de prosperidade e segurança (a crise bolsista de 1929 não passou de um leve solavanco), porém, tudo isto é atribuído a Thomas Edison, herói nacional, detentor de um poderosíssimo conglomerado industrial, partilhado por Marconi e J.P. Morgan Jr., enquanto Tesla vive isolado e na pobreza.
A história gira em torno de Edgar Kerrigan, um jovem de 19 anos, um estafeta de entregas porta-a-porta, que no seu trabalho tripula um “aéreo”, mas ambiciona vir a ser piloto de “oceânicos”. Tem por Edison uma admiração ilimitada, mas as circunstâncias vão fazê-lo presenciar o ruir do relato em que sustentava a sua vida e as suas ambições. Com a morte de Edison há, aparentemente, quem pretenda desmascarar o mito e devolver a Tesla o lugar que lhe é devido, colocando em risco interesses instalados. Mas sob esse pretexto está uma gigantesca conspiração que visa apenas tomar o poder e exercer a vingança.
Tesla y la Conspiración de la Luz é, assim, uma interessante incursão no subgénero da história alternativa, ou da realidade paralela, com personagens históricas conhecidas mas onde os eventos divergem daqueles que conhecemos. Trata-se do primeiro romance de Miguel Ángel Delgado, escritor e jornalista, divulgador da figura e do legado de Tesla e co-comissário de uma grande exposição, apresentada em Madrid no mesmo ano da publicação deste livro, dedicada ao génio do inventor sérvio.

Otro sonido metálico, similar al anterior, le hizo volverse instantáneamente, cuando estaba empezando a sentarse de nuevo en su terrestre. Esta vez había sonado más cerca, en la otra fila. Y no se extinguió de manera inmediata. Quedó algo, un leve zumbido, casi imperceptible, que permaneció en el ambiente, al límite de lo audible. Un sonido que simulaba desaparecer cuando le prestabas atención, pero que volvía a estar presente en cuanto lo abandonabas, como hacían los gatos, en su infancia, cuando los perseguía.
De improviso, el mismo sonido se multiplicó, más cerca, más lejos, chasquidos metálicos que recorrieron las formaciones de autómatas. Y la suma de los zumbidos, apenas perceptibles por sí solos, formó una masa perfectamente audible, creciente, de mecanismos en espera...
... que ya no era lo único que surgía de allí. También había movimiento.
Al principio, fue más una intuición que una visión real. Hasta que percibió claramente cómo una de las decenas de cabezas que formaban en aquel almacén se alzaba y giraba con lentitud. A los ruidos mecánicos, se unieron otros prolongados, neumáticos, de articulaciones desperezándose, de sistemas recolocándose para abandonar su estado de hibernación.
Y finalmente, la luz. Desde un rincón, cuando los primeros focos de los grandes e inhumanos ojos se prendieron. Y luego, como una marea que fuera extendiéndose por la oscuridad, de las formaciones enteras que comenzaban a elevarse, mientras las máquinas abandonaban sus posiciones semiflexionadas para alzarse sobre sus poderosas patas.
Demasiado, en todo caso, para Jonathan, que logró superar la parálisis de su boca abierta y su cuerpo inmovilizado para saltar, no sin antes perder la linterna por el camino (no la necesitaba, el almacén entero era ya un hervidero de luz, ruidos y vida mecánica), hasta su terrestre y arrancarlo.
Nunca le pareció más lento aquel vehículo, apenas una modificación de los que los oficiales empleaban en los campos de golf, ridículo mientras intentaba alcanzar, con dificultad, el portalón de salida. No se atrevió a mirar hacia atrás; los retrovisores apenas dejaban ver otra cosa que grandes pechos metálicos, brazos potentes con ametralladoras y tenazas, cabezas grotescamente pequeñas con los focos de los ojos mirando en la misma dirección que él, la de salida.
Finalmente, ganó el exterior. Por un momento, se engañó pensando que todo seguía igual, que lo ocurrido en aquel almacén era tan sólo una alucinación, un momentáneo error que pronto sería devuelto al estado previo, el que debía tener. Pero no tardó en comprender que no sería así, que estruendos similares estaban surgiendo de los otros almacenes. Y, de hecho, pudo ver cómo las primeras formas levemente humanoides, pequeñas por la distancia, estaban saliendo del más alejado.
Procedió a girar el vehículo para moverse en el sentido contrario, en busca de refugio en el edificio del regimiento. Pero, en ese momento, el terrestre se detuvo, quedó muerto por más que intentara girar un volante que se había quedado inmóvil como una piedra. Las pequeñas luces de posición y el foco delantero se apagaron.
Y no sólo ellos: la entera iluminación del complejo dejó de funcionar. Todo lo que podía abarcar su vista se desvaneció. Hacia delante, fue como si una mano oscura descendiese sobre las instalaciones de Fort Dix, un viento helado suficiente para apagar de una sola vez miles de pequeñas velas de cumpleaños. Ante los ojos asombrados de Jonathan, la mancha de negrura se extendió más y más hacia el horizonte, y pronto sólo algunos resplandores a lo lejos, lo que llegaba hasta allí del gran conglomerado de la metrópolis de Nueva York, parecía arañar algo de la repentina oscuridad.

5 de outubro de 2017

The Fall of Western Man

Mark Collett
The Fall of Western Man (2017)

Mark Collett foi dirigente da juventude do British National Party, director publicitário do partido, um dos responsáveis pela sua revista «Identity», e apoiante da saída da Grã-Bretanha da UE. The Fall of Western Man retoma o tema do iminente colapso do Ocidente europeu, numa argumentação clara e sensata, por vezes circular e retro-alimentada para evidenciar a interligação dos temas, em que cada um dos capítulos é um verdadeiro tratado de análise sociológica.
Mark Collett explica a queda do Ocidente europeu como um reflexo de um assalto dirigido por aqueles que designa como «enemies of the West» a um alvo puramente mental. Assim, torna-se necessário entender o funcionamento da mente para entender como ela pode ser manipulada e atacada. Daí a descrição da sua estrutura: em primeiro lugar o id, subconsciente, ligado aos instintos e aos impulsos, regido pelo princípio do prazer, exigindo satisfação imediata sem consideração pela realidade ou pela lógica. Depois o ego, ou princípio da realidade, moderador do id, procura o modo viável de satisfazer o id, evitando a dor, as consequências negativas, ou colocar a sobrevivência em risco, independentemente de qualquer avaliação moral. Por fim, o superego, apreendido pela educação paternal e comunitária, controla os impulsos do id através de um enquadramento moral e social, funcionando em dois níveis separados: a consciência e o ideal do ego. A consciência abarca o sistema de valores e as normas sociais, levando à culpa ou vergonha cada vez que o id reclama a transgressão destes limites; quanto ao ideal do ego incorpora os modelos de referência que desejamos emular, e dá uma imagem ideal do indivíduo que aspiramos ser.
Demonstra depois a importância de um forte superego, a forma como ele foi alcançado, no seio da família nuclear como espaço formativo do indivíduo e base da sociedade ocidental, e o seu papel decisivo na partilha e transmissão de valores morais e da tradição, de pais a filhos, unificador dessa mesma sociedade coesa e forte, uma fórmula de sucesso que permitiu ao Ocidente europeu atingir os seus mais notáveis feitos. A família nuclear, como espaço fulcral no fornecimento de modelos de referência à criança e ao jovem, através da figura maternal e bondosa da mãe, bem como da figura disciplinadora e autoritária do pai, proporcionou como tal o reforço do superego colectivo, que se traduziu nas virtudes do sacrifício pessoal em prol do interesse comunitário, espelhadas no esforço, na dedicação, e na ordem. O ataque ao Ocidente europeu teria de passar, forçosamente, pelo ataque à família, dirigido precisamente ao seu âmago mais profundo: a mente.
A chave residiu na libertação do id e no enfraquecimento do superego, numa tarefa paulatinamente levada a cabo durante algumas décadas, focada na acção sobre as novas gerações, separando-as do seu passado e da sua História, destruindo assim o futuro da civilização. A ruptura deu-se em várias frentes simultâneas conjugadas nesse único objectivo. Em primeiro lugar na promoção de famílias monoparentais, desequilibrando assim o espaço formativo da criança com a ausência de um dos modelos de referência. Depois na destruição da rede de segurança que existiu no passado sob a forma de barreiras e enquadramentos sociais que nunca deixavam a criança desprotegida face a essa fatalidade: os líderes comunitários e as figuras disciplinadoras ligadas à escola, à igreja ou à autoridade, como origem de modelos de referência, foram desacreditados. A seguir, pela substituição de modelos positivos por modelos negativos, maioritariamente dados pelos media na promoção de “celebridades” e afins, com a mesma mensagem de sempre: o hedonismo e o prazer como prioridade, a supremacia do id – o que teve como consequência o exacerbar do individualismo, e a atomização do indivíduo.
Destaca-se também o papel do feminismo nesta derrocada do Ocidente europeu, ao longo de três capítulos que lhe são dedicados. Trata-se de um ataque à mulher, menosprezando o seu lugar na sociedade, levando-a a emular os atributos masculinos numa competição sem sentido, em busca de uma falsa igualdade, uma competição de consequências nefastas na taxa de natalidade e no desenvolvimento mental dos filhos, devido à alteração do papel maternal no apoio ao crescimento e formação da geração seguinte, ao mesmo tempo que induz a divisão e a desconfiança entre os sexos. Ao estabelecer uma dicotomia em que homens e mulheres são inimigos naturais, o feminismo visa a destruição da unidade familiar, base da civilização ocidental. Os filhos tornaram-se indesejados, vistos como um gasto de tempo e dinheiro que sobrecarrega a mulher, uma barreira entre ela e os seus objectivos materialistas. O feminismo visa não apenas atacar a feminilidade e a maternidade, mas também o homem e o casamento, proporcionando a quebra da natalidade como mais um meio de ataque ao futuro do Ocidente, num momento em que uma emigração descontrolada, e culturalmente agressiva, rapidamente desequilibra a balança populacional e faz o resto do trabalho.
Estes são os temas tratados na primeira metade do livro e, para não sobrecarregar este texto, direi apenas que a segunda metade é ainda mais assertiva no desmascarar dos processos infames movidos contra a nossa essência civilizacional, embora nada do que é descrito seja propriamente novidade para quem já conseguiu romper o muro da desinformação e descodificar o marxismo cultural.
The Fall of Western Man é um livro essencial e só espero que alguém tenha a ousadia de o traduzir e publicar em língua portuguesa. Para o ler em inglês basta ir ao sítio www.thefallofwesternman.com, que também o disponibiliza gratuitamente.

The rise of the id is present before the collapse of any civilisation. Every great nation or civilisation that has collapsed has embraced the cult of individualism, and the individual has been increasingly motivated by the pursuit of endless and immediate pleasure.
This is of course exactly what the enemies of Western man have planned. The enemies of the West understand the complex working of the human mind and realise that to break a community and turn that community into a group of disparate individuals all that needs to be done is to convince those people to give in to their immediate desires.
Even with immigration and multiculturalism, the enemies of the West knew that Western man would still have a fighting chance of survival – in fact better than a fighting chance. Even if Western man was outnumbered by hostile cultures and peoples, as long as Western man retained his own culture and sense of community he could always fight back – and if history has taught us one thing, it is that Western man would likely have prevailed.
It was not merely enough to flood the Western world with different groups of immigrants who viewed the West with envious eyes. The enemies of the West knew that the Western community spirit – the Western superego – must also be broken in order to ensure there would be no fight back or resistance.
The last thing Western man will see is the look of insane mirth upon the faces of the Western revellers as Western civilisation, culture and traditions collapse and are lost forever. Thousands of years of heritage will be lost in a matter of decades as the last generations of Western man compete in a desperate struggle to live for the moment and satisfy their every primal need with no thought for the future or the wider consequences their actions might have for the West.
The enemies of the West know that the rise of the id precedes the fall of Western man, and they sit rubbing their hands and biding their time as the final days of the West rapidly approach.
[...]
The death of the Western superego precedes the fall of Western man and the destruction of Western civilisation itself. The period we are now living in can be described as the end times for Western civilisation and the next few generations of Western man will bear witness to the death of the West. The conditions for a perfect storm are now in place and in that storm the West will be washed away and consigned to the history books – if indeed history books are ever written again in the absence of Western man.
The death of the West will not come about in one magnificent yet tragic final battle that eclipses all others that have gone before it. The death of the West will not occur in some 'race war' or in a series of great conflicts where battle lines are clearly drawn and armies clash in a final epic military engagement. The death of the West will be a creeping one – like a cancer that eats away at an organism, slowly weakening the suffering creature over a long period of time. The death of the West will be akin to a death of a thousand cuts rather than one significant blow.
Many have theorised that eventually immigrants that have come to settle in the West and whose communities have grown in size will one day turn on Western man – that foreign communities will form a fifth column within the West and initiate a great conflict on Western soil. This theory surmises a racial or religious conflict on a grand scale between Western man and those immigrants who have come to settle in the West yet retained a culture that is hostile to that of Western culture.
This theory of a great war is not only misguided, but is also highly damaging to the cause of saving Western man. It relies on the idea that Western man is who he once was and that he still has his mind, body, soul and heart intact. The idea of a great racial or religious war – and one where Western man would be victorious – is actually laughable. This war will never take place, but instead the death of the West will take place house by house, street by street, town by town and city by city, like a creeping shroud falling over Western nations.