24 de outubro de 2017

Nas Montanhas da Loucura

H. P. Lovecraft
Nas Montanhas da Loucura (1936)

Howard Phillips Lovecraft, hoje considerado como um dos mais carismáticos e influentes escritores de literatura fantástica do séc. XX, não publicou um único livro durante a sua vida (se descontarmos a péssima edição de The Shadow Over Innsmouth, em 1936). A sua obra – ensaio, uma novela, várias noveletas, contos e poesia – nem sempre impressa em revistas conhecidas, como a Astounding, a Amazing ou a Weird Tales, espalhou-se por edições amadoras ou jornais regionais, e parecia destinada ao esquecimento, após a sua morte prematura. O empenho dos escritores August Derleth e Donald Wandrei, pertencentes ao seu círculo de amigos e admiradores, resultou na criação da Arkham House, editora destinada inicialmente à publicação dos trabalhos de H. P. Lovecraft. Assim, os livros de Lovecraft são, por norma, colectâneas de contos, mais ou menos organizadas segundo os vários ciclos em que é possível dividir a sua obra.
Nas Montanhas da Loucura trata de uma expedição geológica e paleontológica ao continente antárctico, onde é destruída num ataque por seres primevos que encarnam o próprio mal. O relato é contado em retrospectiva, por um dos sobreviventes, como um apelo desesperado na tentativa de evitar novas incursões àquele continente. Descreve então a descoberta de uma interminável cidade ciclópica, abandonada e semiarruinada, em parte preservada pela camada de gelo glacial, velha de muitos milhões de anos, construída ao longo de eras geológicas por seres vindos do espaço, cuja história deixaram talhada em baixos-relevos omnipresentes nos salões, galerias e túneis que o narrador e um acompanhante percorreram, antes de fugir da ameaça de morte certa.
O tema das viagens ao continente desconhecido já o havia encontrado em Edgar Allan Poe (As Aventuras de Arthur Gordon Pym com o qual este livro partilha uma ligação) e Jules Verne (A Esfinge dos Gelos também relacionado com Arthur Gordon Pym) e, de forma algo diferente, em Vladimir Obrutchev (Terra de Sannikof e Viagem à Plutónia), uma vez mais, Verne (Viagem ao Centro da Terra) ou Arthur Conan Doyle (O Mundo Perdido). No entanto, H. P. Lovecraft é diferente de todos eles, pois traz uma dimensão de horror primordial e sobrenatural, que raramente passa das alusões veladas e das meias-palavras dos personagens, deixando à imaginação do leitor o trabalho de ligar os pontos para completar o desenho.
Os restantes três contos que compõem o livro – A Casa Abandonada, Os Sonhos na Casa Assombrada e O Depoimento de Randolph Carter – são, na minha opinião, mais próximos do horror à Edgar Allan Poe, e cruzam referências (remetem para particularidades de Mountains e também para títulos de outros contos que ainda não li) deixando entrever todo um universo mitológico que H. P. Lovecraft terá criado para os seus contos.

O efeito da visão monstruosa era indescritível, pois parecia fora de dúvida que em sua origem atuara alguma diabólica violação da lei natural. Ali, num altiplano infernalmente antigo, a nada menos de 6.000 metros de altitude, e num meio climático vedado à vida desde uma era pré-humana a não menos de quinhentos mil anos, estenda-se quase até o limite da visão um entrelaçamento ordeiro de pedras que só o desespero da legítima defesa mental poderia deixar de imputar a uma causa consciente e artificial. Havíamos descartado anteriormente, para todos os efeitos de cogitação séria, qualquer teoria de que os cubos e muralhas das encostas não tivessem origem natural. Como seria de outra forma, se o próprio homem mal poderia ser diferenciado dos grandes macacos à época em que aquela região sucumbira ao presente reino ininterrupto de morte glacial?
No entanto, agora a razão parecia irrefutavelmente abalada, pois aquele emaranhado ciclópico de blocos aplainados, recurvados e dispostos em ângulos possuía características que invalidavam todo e qualquer refúgio seguro. Era, com inescapável clareza, a cidade blasfema da miragem, numa realidade crua, objetiva e inelutável. Aquele prodígio maldito tivera, afinal, um fundamento material — uma camada horizontal de poeira de gelo pairara, suspensa, na atmosfera superior e aquela chocante sobrevivência de pedra havia projetado sua imagem para o outro lado das montanhas, obedecendo às leis simples da reflexão. O fantasma, naturalmente, chegara a nós distorcido e exagerado, exibindo, ademais, coisas que a fonte real não continha. Agora, porém, vendo-lhe a fonte real, nós a julgávamos ainda mais tétrica e ameaçadora que sua imagem distante.

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